A obra de Edgard Allan Poe vem sendo muito mal tratada pelo cinema, talvez com a exceção do clássico do cinema mudo em transição para o falado La Chute de la Maison Usher, de Jean Espein (1928) que teve participação de Buñuel antes de dirigir seu primeiro filme. Pois o que foi originalmente o ambicioso projeto Histórias Extraordinárias (que reuniria Godard filmando o conto “O Retrato Ovalado” a outros grande diretores em voga na época) acabou tendo um episódio dirigido logo por Roger Vadin (abaixo da crítica), Louis Malle (em dia sem inspiração alguma ao transpor o magnífico texto de “William Wilson” para a tela), sendo que apenas Fellini acertou ao fazer mais um filme felliniano em vez de se remeter a Poe no divertido Toby Dammit ou Nunca aposte sua cabeça com o Diabo.
Há quem tenha visto qualidades extraordinárias (para manter o adjetivo ligado à tradução de Baudelaire para contos de Poe) na série de filmes “B” de horror que Roger Corman cometeu na década de 1960, usando mais frequentemente os títulos das histórias que “adaptou” do que recriando a essência do que é o terror na obra de Poe. Alguns desses exemplares podem até ser divertidos (o episódio de “terrir” O Gato Preto na coletânea Muralhas do Pavor, 1962), mas mesmo que qualidades esparsas (do modo rápido e barato ao fazer cinema) de Corman despontem aqui e ali em alguns momentos desses sete ou oito filmes, não dá para levar a sério como relacionados de fato a Poe tal seqüência de roteiros “trash” e encenações kitsch que dominam essas produções. E mesmo a mescla terror/humor que funcionou no episódio citado acima desandou em lamentável chanchada quando Corman quis repetir a fórmula em seu filme seguinte, “adaptando” o poema “O Corvo” para uma bobagem homônima de 1963.
Temos agora um enésimo filme com o mesmo título dessa poesia que em português já teve mais de 10 traduções, incluindo os esforços de Machado de Assis, Fernando Pessoa, Haroldo de Campos e Alexei Bueno, para citar apenas alguns. Nem todos os filmes aqui chamados O Corvo se referem ao poema. The Raven (existem aqueles cujo título original é The Crow) e esta nova direção de James McTeigue, mais uma vez está menos próxima de Poe do que de seus filmes anteriores, Ninja Assassino e V de Vingança.
Não que Poe não esteja em cena, ele mesmo: está lá, na pele de John Cusack, lembrando seu personagem em outro produto de terror, passado em um quarto assombrado de hotel de número 1408 (como se chamou o tal filme de 2007). O roteiro assinado por Bem Livingston e Hannah Shakespeare não honra o sobrenome desta última. Parte do fato histórico (ou lenda) segundo o qual o poeta teria sido encontrado em um banco de praça de Baltimore repetindo o nome “Reynolds”, alguns dias antes de morrer, em provável delirium tremens. E inventa um serial killer que se inspira nos enredos dos contos do escritor para cometer crimes horríveis com sangue, suor e vísceras.
Em algum momento, Poe, como personagem, diz que os crimes "inspirados" em seus enredos ficcionais não passam de uma imitação de segunda (ou coisa parecida). O que talvez seja uma autocrítica involuntária dos realizadores dessa bobagem que mal salva algumas cenas eficiente de ação (como no trecho em que há um baile) para entrar na lista de eleitos como terror-pipoca de movimentação sem nenhuma participação cerebral. Tal como na prostituição dos recentes Sherlock Holmes (2009, 2011) de Guy Ritchie. Perto deste O Corvo, os filmes de Roger Corman podem até parecer mesmo que eram obras-primas.