Sessenta anos depois de Audrey Hepburn e Gregory Peck terem inaugurado os passeios de Hollywood em “férias romanas” (tradução literal do título americano de A Princesa e o Plebeu, de William Wyler. 1952) chegou a vez de Woody Allen curtir as suas férias na “cidade eterna”, retomando o belo e o brega de tantos outros filmes que abordaram personagens ianques em enredos turísticos/românticos/cômicos: Para Roma, com amor é uma comédia composta de quatro histórias que não se cruzam, e que são desenvolvidas alternadamente.
Mas há mais do que americanos em Roma nesta homenagem e retomada tardia do subgênero: também estão presentes um casalzinho interiorano que vai à capital pela “prima volta” e uma família “típica” comendo la pasta com direito a talentos pavarottianos ocultos. Nesses trechos, os personagens não falam o ridículo “inglês com sotaque” de tantas produções anglófonas passadas em terras de outras línguas; o que o espectador escuta é o delicioso italiano das comédias que o cinema da bota não sabe mais fazer.
Como em todo filme de episódios (ainda que, aqui, as historietas não sejam apresentadas em segmentos, um de cada vez) as plateias podem se interessar mais por alguns trechos e menos por outro(s). No todo, entretanto, o filme pode satisfazer plenamente em sua despretensão esperta de querer fazer divertir (com mais neurônios do que o habitual em filmes - ditos - cômicos contemporâneos).
E “despretensão” em filme de Allen não quer dizer trivialidade boboca: há referências cinematográficas caprichadas, como no destino dado à mocinha recém-casada do interior em visita à Roma, francamente calcado/inspirado no Abismo de um Sonho, de Fellini, do mesmo ano do já mencionado Roman Holiday. E até mesmo encontramos auto-citação do Allen dramaturgo, repetindo uma relação fantasmática semelhante à do “Humphrey Bogart” imaginado pelo personagem de Woody em Sonhos de um Sedutor (dirigido por Herbert Ross, mas extraído de peça de Allen). Agora é o madurão arquiteto vivido por Alec Baldwin que “conversa” com um colega mais jovem, Jesse Eisenberg, sobre como lidar com as mulheres e o risco das tentações.
Allen reaparece como ator depois de muitos filmes em que esteve apenas atrás das câmeras. É mais um de seus habituais personagens, agora bem mais velho, quase coadjuvante, e casado com uma ótima Judy Davis - por fim, uma esposa que também é psiquiatra para as neuras e fobias do tipo alleniano. De quebra, uma gozação sobre montagens contemporâneas de óperas nas quais (apenas como exemplo que não é uma piada do filme) a Dama das Camélias pode aparecer como uma feminista no Velho Oeste coagida por um velho nazista, pai do rapaz gay que ela “desencaminhou”. Para quem não está a par de certas encenações de ópera, acreditem que nada disso seria impossível.
Mas o nonsense mais delicado saído da imaginação referencial de Allen está no trecho onde um Roberto Benigni menos histriônico (e perfeitamente palatável) vive uma espécie de O Processo ao avesso: um prosaico e desconsiderado homem comum, sem nenhum motivo, passa a ser perseguido... como celebridade! Nada mais atual e patético, mas com a lente do humor e um olhar quase compreensivo e – como diz o título – amoroso.
O ótimo molho que mistura A Fonte dos Desejos(1954) com Fellini (além do “Sceicco Bianco” há um pouquinho de Roma de Fellini, 1972) - e o próprio Allen com um Kafka de sinal trocado - não evita que o mix de massas sofra de algumas gordurinhas a mais: o episódio ligado ao canto lírico explora duas vezes a piada-clímax, perdendo obviamente a força de quando foi vista pela primeira vez. Talvez fosse melhor manter apenas o formato da segunda aparição, eliminado a anterior. Surpreende esse equívoco em um humorista tarimbado como Woody Allen, E há uma espécie de epílogo para o episódio do Benigni totalmente desnecessário. É estranho, pois Allen sempre foi radicalmente econômico em seus roteiros e filmes.
Mesmo que alguns desfechos possam parecer um pouco esticados, o humor e a simpatia do filme se sustentam pelas divertidas gags bem sacadas, tanto as habituais tiradas verbais de seu personagem reciclado como em algumas predominantemente visuais (atenção quando Judy Davis informar à “mamma” italiana que é psiquiatra).
Além da divertida trilha musical óbviamente “caracterísitca” (e kitsch) de “temas italianos” (só faltou o “Al di Lá” do açucarado Candelabro Italiano - e sabem o que mais? ainda bem!), cabe destacar a ótima fotografia de Darius Khondji que já havia feito bonito em Meia-noite em Paris. E – para nós – a revelação de Alessandra Mastronardi como a recém-casadinha perdida em Roma. É com ela que o filme encontra os melhores momentos, ainda que a contrapartida do que acontece ao seu marido, ao lado de Penélope Cruz, não se mostre tão satisfatório quanto nas andanças de Alessandra pela cidade labiríntica e suas “armadilhas” à moda de Abismo de um Sonho.
Sem pudor de repetir um tipo de antiga “introdução” através de um personagem-narrador (que depois desaparece) e trazer um outro na cena final, Para Roma, com amor prossegue no périplo europeu do cineasta, inaugurado mais sombriamente no londrino Match Point, prosseguindo solar em Vicki Cristina Barcelona, onírico em Paris à meia-noite, e agora bem relaxado (no melhor ou em nem tão bom sentido) nesse passeio romano cheio de clichês reciclados com verve.
P.S.: Um desafio à moda de “onde está Wally?” Se Ornella Mutti é facilmente identificada em sua brevíssima participação, alguém reconheceu Giulianno Gemma em uma ponta?