Críticas


CORAÇÕES SUJOS

De: VICENTE AMORIM
Com: TSUYOSHI IHARA, TAKAKAO TOKIWA, EIJI OKUDA, EDUARDO MOSCOVIS, SHUN SHUGATA
16.08.2012
Por Luiz Fernando Gallego
SEM ACREDITAR NAS IMAGENS

O que salta - mais aos ouvidos do que - aos olhos em Corações Sujos é o abuso da música na trilha sonora, sempre pontuando, sublinhando, enfatizando cada momento dramático (ou mesmo qualquer avanço da trama), sugerindo que Vicente Amorim não acredita absolutamente na narrativa imagética, na força suficiente de suas imagens - e por isso acha necessária a música “emotiva”. E como acha !



Mas na narrativa visual há outro ponto que desperta a curiosidade: o uso eventual de imagens desfocadas em algumas tomadas, sem que se perceba por que são utilizadas nestas (in)determinadas passagens. O que resulta na impressão de mero preciosismo “estilístico”/formal – dispensável.



No roteiro há algumas pontas soltas, a pior delas no personagem do subdelegado (Eduardo Moscovis) evidente representante da Lei na construção do microcosmo roteirizado, deixando o espectador intrigado: por que não aparecem providências legais contra a insurreição de um grupo de japoneses emigrados para o Brasil quanto à rendição do Japão no final da II Guerra? O que a Lei fez? Nada? Não foi possível fazer alguma coisa? Houve omissão nos moldes de deixar que os conflitos tivessem seu curso, que os envolvidos ou se entendessem ou se trucidassem? Mas de onde veio a força policial chamada no conflito inicial e que nunca mais foi utilizada, deixando que mortes se acumulassem? O personagem do subdelegado deixa mais questões do que deveria pois nem chega a ser um Pilatos no Credo, reaparecendo em um enterro com uma atitude tolerante "conciliadora" (?)



Outro exemplo da ambivalência na construção do filme: por que um japonês que aceita a derrota (acusado pelos outros de por isso ter um “coração sujo”) afasta sua família do lugarejo mas não responde a uma mulher que lhe pergunta por que ele não foi com a família? Que o personagem não renuncia à condição de ser japonês (que aceita a derrota de seu país de origem) e afirma sua posição de não se deixar levar pelo wishful thinking de outros já seria evidente pelo desempenho do ator e pelas atitudes do personagem. Neste caso, o roteiro não precisava da pergunta da mulher sem que haja nenhuma resposta, a não ser pela busca de uma "ênfase", desta vez através de um "silêncio significativo" (silêncio que não existe na trilha sonora que se quer "significativa" mas pelo oposto, pelo excesso - insuportável). E não mencionaremos o que se passa na lamentável cena final, mal construída no roteiro e na encenação visual.



É válida a opção compreensível de limitar os amplos eventos reais a um microcosmo que busca representar o que ocorreu de fato, especialmente no interior de São Paulo entre 1946 e 1947, mas com o desenvolvimento insatisfatório do roteiro a opção acaba surgindo de modo fragilizado, amortecendo a força da trama baseada nos fatos expostos no livro homônimo de Fernando Morais. O único mérito do filme, bastante insatisfatório mesmo no formato “cinemão” (à moda americana), acaba sendo o de remeter à obra que lhe deu origem, lamentavelmente mal aproveitada. (E não se trata de comparar o filme ao livro e nem aos fatos reais que o livro pretende retratar com fidelidade de pesquisa jornalística, mas de discutir os resultados do filme como construção autônoma, até mesmo como se fosse um enredo de ficção).

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