Sob vários aspectos parece-nos louvável a tentativa de À Beira do Caminho corresponder às expectativas de um cinema popular de qualidade - que se encontra na fotografia, direção de arte, edição e desempenhos. Por outro lado, é evidente o comportamento dos personagens pautado pelo padrão de comportamento de... personagens: de filmes populares, novelas, melodramas em geral. Pior do que a previsibilidade do que vai acontecer é a inverossimilhança dentro de um universo ficcional que se desejaria autônomo mas que atende apenas à "verossimilhança" com o que existe de mais déja-vu na em enredos pisados e repisados. A reação do garoto quando encontra uma casa vazia, a conduta da mulher depois de uma reaproximação, as reações indecisas do personagem central masculino são apenas alguns dos muitos exemplos dessa submissão do filme ao universo ficcional mais estereotipado.
Nem mesmo podemos culpar a origem explícita do filme, construído a partir de canções compostas por Roberto Carlos - ou por outros compositores, mas sempre tendo feito parte do repertório de Roberto. As melodiosas canções românticas dos discos do cantor são daquele tipo que se fixa facilmente na memória, e as letras costumam reincidir na temática bem tradicional de amores desfeitos - frequentemente encontrada na música brasileira (e latino-americana em geral). O repertório carlista jamais atinge a riqueza melódica que encontramos desde Ary Barroso até Tom Jobim (para não citar Edu, Milton e outros tantos da bossa mais nova, da pós-bossa nova, ou de bossas mais antigas); e mais dificilmente alcança a poesia das letras de Noel, Vinicius, Chico e de outros tantos (mesmo quando tratam dos mesmos temas). Mas quase sempre é constituído daquilo que o público espera que lhe seja entregue – e tal mérito é inegável.
Portanto, tentar um filme que correspondesse a esse talento intuitivo de atingir as expectativas do imaginário popular seria mais do que pertinente para nosso cinema tão combalido de respostas de massa no presente, salvo por comédias chulas que estouram na bilheteria como neo-pornochanchadas em outro patamar industrial. Fugindo dessa baixaria, a escolha de um caminhoneiro (personagem de uma canção de Roberto) como protagonista seria bem pertinente, assim como fazer dele um sujeito atormentado por perdas amorosas. Mas a construção deste road movie começa a incomodar pela semelhança (em franca desvantagem) com Central do Brasil, face à inclusão de uma criança como parceiro, inicialmente indesejável, de viagem.
Apesar da adesão do elenco à proposta, confirmando o que já se sabe da competência de João Miguel e Dira Paes e revelando a simpatia de Vinicius Nascimento, a evolução (?) dos personagens não colabora nada, já que, como dito antes, caminhoneiro solitário, mulher apaixonada por ele e criança abandonada comportam-se estritamente dentro dos estereótipos criados pelo cinema, usados e abusados em construções popularescas. E neste aspecto, o tipo do garoto boa-gente é o que mais sofre com sua carga exagerada de doçura e esperteza.