Breno Silveira gosta de pisar firme no acelerador das emoções fortes de pessoas simples. Foi essa a marca de seu filme de estréia, Dois filhos de Francisco – A história de Zezé di Camargo e Luciano (1995), com 5 milhões 300 mil espectadores. À beira do caminho, seu terceiro longa, tem vários ingredientes para se aproximar do feito da dupla sertaneja: personagens sofridos em busca de redenção, recortes do interior do país, relações transformadoras e, sobretudo, música, muita música. O eleito da vez é o “Rei” Roberto Carlos, liga pela estrada afora de um homem em fuga do passado e de um menino em busca de um futuro.
A história tem ecos de Central do Brasil na contramão geográfica (desta vez, do Nordeste para o Sudeste). Como no filme de Walter Salles, Duda (Vinícius Nascimento) acaba de perder a mãe e ‘adota’ uma desconhecida para guiá-lo até o pai desconhecido. Duda tem o mesmo sonho e embarca em um caminhão no interior pernambucano rumo a São Paulo. Apesar da carranca de poucos amigos, o motorista João (João Miguel) aceita a convivência forçada. Duda é irresistível e logo se revelará um ‘amigo de fé, um irmão, camarada’. Ao entoar a canção, o garoto toca o nervo exposto do guardião involuntário que traz como única pista de sua amargura um DVD do ‘Rei’ na bagagem.
Duda podia estar sozinho à beira do caminho, mas sua trajetória tem paralelos em produções recentes européias – como O menino da bicicleta, Neves do Kilimanjaro, O Porto. Apesar de abordagens e circunstâncias tão diferentes, esses filmes mostram a luta de garotos desamparados que dependem da generosidade de estranhos para sobreviverem.
Com argumento de Lea Penteado, roteiro de Patrícia Andrade e colaboração de Domingos de Oliveira, À beira do caminho propõe uma jornada rumo à superação. Fortalecido pelo novo ‘amigo de fé’, o caminhoneiro revisita lugares e pessoas. O encontro com a ex-namorada Rosa (Dira Paes) injetará calor feminino em trama até então basicamente masculina. O passado de João passa a ser revelado por cenas cada vez mais esclarecedoras. Os momentos cruciais são embalados por sucessos inapeláveis do Rei , como À distância e Você Foi, este em inspirada dança entre Dira Paes e o menino
À Beira do caminho tem em João Miguel um contraponto a eventuais excessos melodramáticos: é com notável economia que o ator exibe dores e alegrias, em um amolecimento sutil e gradual, demarcado por placas de cidades e inscrições de pára-choques de caminhões.
Exibindo amplo domínio técnico, a começar pela fotografia de Lula Buarque de Holanda, o filme talvez derrape em algumas curvas pela insistência em acoplar e ilustrar canções auto-explicativas a situações já por si potencialmente dramáticas. Em busca de uma rota alternativa à boa parte da produção nacional atual – marcada por dramas urbanos graves ou comédias televisivas de apelo erótico - À Beira do caminho aposta no triunfo dos bons sentimentos sobre o cinismo. E dá-lhe de Roberto Carlos, pelo menos até Gonzaga – De Pai para filho, o próximo filme de Breno, bater nas telas, ainda este ano.
Publicada no jornal O Globo em 9/08/2012