Ugo Giorgetti confirma o elo afetivo com São Paulo – já evidenciado em Sábado e nos dois Boleiros – nesse novo Cara ou Coroa , sobre as jornadas de dois irmãos, João Pedro, diretor envolvido com política, e Getúlio, algo indeciso em relação ao futuro, no contexto da ditadura em 1971. O caráter pessoal é ressaltado ainda pelas presenças de atores que trabalharam em filmes anteriores de Giorgetti (Otávio Augusto e Eduardo Tornaghi).
As saborosas referências teatrais injetam simpatia ao projeto. A peça O Interrogatório foi concebida por Peter Weiss a partir de um trabalho de corte e colagem sobre os autos do processo referente aos crimes nazistas. Weiss acompanhou e gravou o embate entre os sobreviventes judeus e os nazistas e construiu um texto estruturado como oratório em 11 cantos que insere o leitor/espectador cada vez mais dentro do campo de concentração (começando no desembarque do trem e terminando na entrada do forno crematório). Mais do que uma evocação da via-crúcis dos prisioneiros, o texto traz à tona a perpetuação da lógica da exclusão. Não por acaso, a peça de Weiss - encenada no Brasil, no início dos anos 70, por Celso Nunes, e, recentemente, por Eduardo Wotzik, que reproduziu a atmosfera de um tribunal - é escolhida por João Pedro em pleno auge do regime militar.
Não é só: Giorgetti menciona os polêmicos espetáculos de Victor Garcia para O Balcão , de Jean Genet, e Cemitério de Automóveis , de Fernando Arrabal, ambos produzidos por Ruth Escobar, no final dos anos 60. E frisa a conturbada vinda do Living Theatre - companhia de perfil engajado e libertário conduzida por Julian Beck e Judith Malina - ao Brasil, que culminou no famoso episódio da prisão dos integrantes do grupo, em Ouro Preto, período marcado pela tentativa de estabelecer intercâmbio (mal-sucedido) com o Teatro Oficina.
Cara ou Coroa , porém, perde pontos preciosos no roteiro. A falta de sutileza vem à tona em falas pouco buriladas (entre João Pedro e os atores de sua montagem) e excessivamente sublinhadas (“As leis foram feitas para serem cumpridas”). A preocupação em tornar simpática a assumidamente omissa figura do general – avô de Lilian, namorada de Getúlio – também resulta artificial. Mas cabe aplaudir o elenco (destaque para Emílio de Mello) e a habilidade do cineasta em conduzir o suspense, imperante na segunda metade.
Crítica ampliada em relação à versão publicada no jornal O Globo em 07/09/2012