Críticas


INTOCÁVEIS

De: OLIVIER NAKACHE e ERIC TOLEDANO
Com: FRANÇOIS CLUZET, OMAR SY
26.09.2012
Por Susana Schild
RECUPERAÇÃO INDOLOR

Mais de 20 milhões de espectadores (segunda maior bilheteria do cinema francês), nove indicações ao César (o Oscar francês), uma comoção nacional diante dos bons frutos da convivência entre um representante da elite branca, rica e bem-nascida versus um integrante da periferia pobre, imigrante e africana. A maior façanha de Intouchables (no original), no entanto, é transformar o encontro entre dois personagens tão antagônicos em um conto moral bem-humorado, praticamente livre de arestas e conflitos. A façanha é ainda mais surpreendente levando-se em conta a base real da trama, inspirada em acidente que deixou tetraplégico Phillipe Pozzo di Borgo, herdeiro de duas tradicionais famílias francesas, e que se diz muito feliz com a leveza da versão cinematográfica de sua tragédia.



Na tela, em sua luxuosa mansão parisiense, Phillipe tem tudo que o dinheiro pode comprar, um amplo staff à disposição, mas os limites de uma paralisia que o imobiliza do pescoço para baixo. Na hora de escolher um novo acompanhante, o ex-empresário acostumado a tomar decisões escolhe o candidato menos provável – o vigoroso Driss, pele negra, origem imigrante, passado tumultuado, nenhum tostão no bolso, mas um elemento considerado valioso: a total ausência de piedade.



O homem de negócios estava certo. Driss não só desconhece a comiseração, como manifesta um evidente desprezo pela ordem estabelecida – de sinais de trânsito a normas de conduta em uma ópera ou recital de música clássica. E ganha, sem maior esforço, o apreço do empregador. A olhos mais rigorosos, o insubordinado acompanhante poderia ser considerado invasivo, ostensivo, sem limites. É com a energia de um rapper indignado, por exemplo, que ele confronta a filha do patrão ou demais funcionários. Mas o dono da casa, uma alma boa, aparentemente conformada com o destino, se diverte. Ele tem lá seu pequeno sonho, e quem vai ajudá-lo? Driss, obviamente, que também tem lá seus dramas, amenizados para não complicar as coisas.



Filmes sobre o confronto de personalidades antagônicas podem render ouro na bilheteria – como aconteceu com uma freirinha e um certo capitão austríaco (A Noviça Rebelde), com uma senhora judia e seu motorista de ascendência africana (Conduzindo Miss Daisy), entre inúmeros outros exemplos. Mas, na comédia ou no drama, quanto mais conflituada a convivência e mais trabalhoso o entendimento, mais rica a trama. Quando a relação envolve problemas físicos ou mentais, o confronto pode ser ainda mais contundente, como mostrou O escafandro e a borboleta, baseado em fato real similar, mas com uma realização mais radical em todos os sentidos, dirigida brilhantemente por Julian Schnabel, em 2008.



Já a dupla de diretores Olivier Nakache Eric Toledano mirou em outro alvo: colocar no ringue dois seres antagônicos, sim, mas calcados em estereótipos e nas boas intenções, não só deles, mas de todos os envolvidos. A base real da história tem sua força, assim como a atuação da dupla principal: François Cluzet, excelente, visto recentemente em Até a Eternidade, e o energético Omar Sy como Driss, o único a levar um Cesar para casa. Um pouco de sutileza, no entanto, não faria mal a ninguém.



Publicada em O Globo em 30 /08/2012

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário