Críticas


UM ALGUÉM APAIXONADO

De: ABBAS KIAROSTAMI
Com: RYO KASE, RIM TAKANASHI, TADASHI OKUNO
24.11.2012
Por Luiz Fernando Gallego
COMO SE FOSSE ?

Jeito de amar desesperado

Mais chorado que vivido

Como se vivê-la fosse não vê-la


(Capinam/Fagner)





Os relacionamentos equívocos do mais recente filme de Abbas Kiarostami ficariam mais bem intitulados Like Someone in Love (como no original) em vez de Um alguém apaixonado do título brasileiro. Os personagens centrais podem se comportar como se fossem “apaixonados”, podem estar (ou podem ficar) de fato apaixonados, podem fingir uns para os outros que são o que apenas parecem ser - mas não são de fato, talvez gostando de parecer ser. Ou mesmo ser.



Dito deste modo, quem ainda não viu o filme talvez pense que o cineasta iraniano, nesta incursão ao Japão, repetiu o esquema de seu filme passado na Itália, Cópia Fiel (2010), no qual uma mulher e um homem poderiam ser antigos amantes em fim de relacionamento, uma dupla nova que estaria se formando, ou mesmo qualquer outro “jogo de cena” que levava o espectador à posição de deslizar entre muitas possibilidades, ficando inapreensível uma única definição sobre aquela relação. No novo filme, entretanto, os equívocos acontecem apenas no mundo diegético criado pelo roteiro do próprio Kiarostami. E que roteiro!



O ponto de partida do enredo é a cena em que uma das situações de base da trama vai sendo definida aos poucos: uma moça (vivida por uma bela atriz de 23 anos, Rin Takanashi) é vista ao telefone, sentada em um bar, tentando driblar questionamentos de um possível parceiro amoroso (não escutamos a voz de com quem ela fala). Uma outra finge ser quem não é para quem está do outro lado da linha. A moça diz que está em um bar (quando está em outro) e um homem de seus 40 anos quer falar de “negócios” com a que está ao telefone. Ela mente para esconder do possível namorado que é garota de programa, mas tenta evitar o encontro que o homem insiste para que ela aceite. Alega prova na Faculdade no dia seguinte e o fato de sua avó estar em visita a Tóquio, querendo estar com ela. Estão definidas algumas possibilidades de equívocos entre o que se diz, o que se faz, e ainda: o que talvez se queira fazer - ou deixar de fazer.



Mas se alguns equívocos são estimulados intencionalmente por mentiras e omissões, o passo seguinte vai instalar outros deslizamentos de possibilidades equívocas entre a moça e o homem bem mais idoso a quem ela acaba aceitando visitar. O velho (Tadashi Okuno, em magnífica interpretação) parece ter tudo preparado de modo galante: standards de música americana no aparelho de som, um jantar com pequenas velas na mesa, um faz-de-conta de encontro amoroso não-“profissional”. Por seu lado, a moça está cansada, com sono, e na manhã seguinte terá mesmo que fazer um teste na Faculdade de Sociologia onde estuda - e só pensa em ir dormir.



Mais adiante, um inusitado triângulo vai se fechar (ou se abrir) com a entrada em cena do namorado da moça com quem ela falava ao telefone na abertura do filme. O rapaz (Ryo Kase, que já esteve em filmes “ocidentais” como Cartas de Iwo Jima, de 2006 e Tóquio, de 2008) só consegue supor que aquele senhor seja um avô de sua namorada... e nada mais será dito sobre o que vai se seguir.



A estrutura do roteiro lembra a de um conto literário exemplar, com algumas elipses e estrutura aberta – sem a indefinição “vale-tudo” de Cópia Fiel. O que fica indefinido ou equívoco são os equívocos das relações em geral: seja porque mentimos para os outros, seja porque preferimos incorrer em fantasias de auto-engano, seja porque podemos partir de premissas que tomamos como certezas imaginárias.



Econômico, sem excessos nem desvios, mesmo em situações periféricas aos personagens principais (como a da avó que foi estar com a moça em Tóquio e que deixa recados no celular da jovem), tudo o que se vê na tela em uma narrativa visual aparentemente simples, mas de rara elegância, importa para “definir indefinições” do que pode se passar entre os personagens – ou entre todos nós.

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