Críticas


ENTRE O AMOR E A PAIXÃO

De: SARAH POLLEY
Com: MICHELLE WILLIAMS, SETH ROGEN, LUKE KIRBY, SARAH SILVERMAN
08.12.2012
Por Luiz Fernando Gallego
É PARA VALSAR OU NÃO?

(...) Em Viena há quatro espelhos / onde brincam tua boca e os ecos. / Há uma morte para piano que pinta os rapazes de azul. / Há mendigos pelos telhados. / Há grinaldas frescas de pranto. / Ai, ai, ai, ai! / Toma essa valsa que morre em meus braços. // Em Viena dançarei contigo / com uma fantasia que tenha / a cabeça como um rio. / Olha: margeada de jacintos! / Deixarei minha boca entre tuas pernas, / minha alma em fotografias e açucenas, / e nas ondas escuras de teu andar / quero, meu amor, meu amor, deixar / as fitas da valsa: violino e sepulcro.



Este é o final de Pequena Valsa Vienense, poema de Federico Garcia Lorca, originalmente em espanhol, claro. O escritor, compositor e cantor canadense, Leonard Cohen, fez uma versão para o inglês, adaptando os versos como letra de música que chamou de Take this Waltz, o mesmo nome que a também canadense atriz e cineasta Sarah Polley deu a seu filme de 2011, aqui intitulado Entre o Amor e a paixão.



Sua direção anterior, Longe Dela, de 2006, deu destaque ao desempenho de Julie Christie como uma mulher que vai mergulhando nas trevas da doença de Alzheimer. Em 2012, Sarah dirigiu um documentário que teve extraordinária repercussão boca-a-boca favorável no Festival do Rio, Stories We Tell, sobre sua família. Enquanto esperamos que este (que possivelmente se chamará por aqui “Histórias que contamos”) ganhe distribuição comercial no Brasil, vale a pena admirar a sensibilidade da narrativa cinematográfica desta ficção com extraordinário desempenho de Michelle Williams, muito distante da Marylin Monroe que encarnou com delicadeza em Sete dias com Marylin.



O filme de Sarah Polley não tem os mesmos lances poético-semi-surrealistas de Lorca, mesmo na versão um pouco menos insólita de Leonard Cohen. Mas começa com cenas um tanto bizarras quando ‘Margot’ (personagem de Michelle) visita um daqueles parques temáticos nos quais atores e figurantes representam cenas de outras épocas usando vestes de antanho e podendo levar chibatadas em condenações por adultério, por exemplo, como seria no século XVII nos territórios-colônias inglesas. Mas a maior parte da trama, depois da viagem de volta da moça, segue em uma clave naturalista, abordando relações familiares (o que parece ser um tema caro à diretora) e, principalmente, seu relacionamento conjugal – em crise no coração e mente de ‘Margot’ desde que travara conhecimento, na viagem, com ‘Daniel’, um sedutor “boy next door” bem interpretado por Luke Kirby sem rodeios. O marido de ‘Margot’ ficou a cargo de Seth Rogen, mais conhecido por comédias como Superbad e Ligeiramente Grávidos, mostrando sua versatilidade, tanto nos trechos mais leves em que seu personagem deve ficar em segundo plano, como em um determinado (grande) momento em que a câmera e a edição exigem do ator o que nem todos conseguiriam oferecer em termos de dramaticidade sentida, mas contida e sem exageros.



Pode-se questionar as pontas do roteiro: o já comentado início “insólito” até ‘Margot’ voltar para casa, e especialmente o desfecho em aberto - que tanto parece ir além do que já teria sido um bom término em cenas anteriores, também em aberto mas sem deixar a impressão de que a roteirista (que é a diretora) não sabia bem como encerrar o filme. Por outro lado, a situação desenvolvida com tanta sensibilidade durante a narrativa: como ficaria em uma ‘Margot’ de carne e osso? Talvez não muito diferente do que (não) vemos na tela.



O que importa mais neste filme é mesmo o Cinema com “C” maiúsculo de Sarah Polley com o uso que ela faz da fotografia, edição e músicas inseridas na trilha sonora, com destaque, como era de se esperar, de Take this Waltz, utilizada com garbo em uma sequência “circular” maravilhosa. Embora bastante dialogado, o que salta aos olhos é a pertinência visual dos enquadramentos, e recortes cortantes, como nas reuniões de família (onde rola uma trama paralela de outro casal, bem inserida no fio central do enredo) e na memorável cena do chuveiro feminino após a hidroginástica, onde vemos mulheres de várias idades e etapas de envelhecimento em nudez sem retoques e com uma crueza rara, através do olhar inquieto e preciso da câmera de Sarah Polley. De quebra, o corpinho perfeito de Michelle Williams, sem os retoques de maquiagem que usou em Marylin , nem tão bonita de rosto, mas com um corpo invejável. E “além de tudo”, a moça trabalha bem, muito bem, mas muito bem mesmo!

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