O processo de feitura de Tiros Em Columbine levou o diretor Michael Moore a formatar a sua teoria, não exatamente a respeito da ligação dos americanos com as armas de fogo e sim acerca dos crescentes surtos de violência dentro do país. De acordo com Moore, os pontos centrais estão no modo como a mídia estimula um estado de medo coletivo (algo que constata ao comparar um telejornal americano com um canadense) e na exploração das possibilidades lucrativas decorrentes da propagação do temor. Ainda que defensável, a tese do cineasta deixa de fora um dado fundamental que vem à tona em determinado momento do filme: a repressão às diferenças.
Uma característica própria (mas não exclusiva) dos Estados Unidos, uma nação retratada muitas vezes na tela do cinema em agoniantes imagens de subúrbios artificialmente ordeiros. Um constante flagrante da permanência de uma moral arraigada, que aniquila a expressão da individualidade em prol de uma exigência de conciliar duas medidas contrárias: a massificação segura(?) e o estímulo à competitividade (com o intuito de se alcançar o reconhecimento a partir de um destaque numa dada especialidade). A soma de enquadramento e pressão só poderia resultar em explosão.
Atônitos diante de acontecimentos “inexplicáveis”, como a chacina comandada por dois adolescentes na Columbine High School, em Littleton (Colorado), os americanos tomam uma medida realmente perigosa – tolerância zero frente “a todo tipo de comportamento considerado desviante”. Ao captar esta estrutura de pensamento, Michael Moore traduz para o público mundo afora a estagnação do interior dos Estados Unidos (uma generalização) em contraste com cidades cosmopolitas como Los Angeles e Nova York (representativas, porém, do star system, abalado pelos ataques de 11 de setembro ao World Trade Center).
É difícil para o espectador não falar em voz própria após a projeção de Tiros Em Columbine . Engajado, determinado e sem meias palavras, Michael Moore assina um trabalho de confronto, expresso, sobretudo, na entrevista com Charlton Heston, presidente da Associação Nacional do Rifle e ativo participante de comícios pró-armas, inclusive em localidades abaladas por tragédias como o caso Columbine. Moore também usa o humor como arma, pegando carona no tom irreverente e corrosivo de South Park numa sequência de animação em que viaja até a origem do medo dos americanos brancos e seu consequente apreço pelas armas.
Mesmo que incorra, vez por outra, em recursos simplórios (como a passagem sublinhando a presença militar dos EUA ao longo de boa parte do século XX ao som de What A Wonderful World ), Michael Moore não deixa a sua contundência se perder no vazio até porque faz um filme que busca (e, numa determinada escala, consegue) produzir mudanças no padrão instituído. Sem investir em qualquer tipo de negociação, Tiros Em Columbine angariou 36 prêmios internacionais, tendo saído vencedor na categoria documentário da última festa do Oscar – prêmio surpreendente levando-se em conta a tensão do momento atual, a força demolidora do resultado final e a expectativa de que Moore não faria concessões em seu discurso de agradecimento. E ele não frustrou expectativas.
TIROS EM COLUMBINE (BOWLING FOR COLUMBINE)
EUA, 2002
Direção: MICHAEL MOORE
Roteiro: MICHAEL MOORE
Produção: MICHAEL MOORE, CHARLES BISHOP, MICHAEL DONOVAN, KATHLEEN GLYNN, JIM CZARNECKI
Fotografia: BRIAN DANITZ, MICHAEL MCDONOUGH
Trilha Sonora: JEFF GIBBS
Duração: 121 minutos