Críticas


O LUGAR ONDE TUDO TERMINA

De: DEREK CIANFRANCE
Com: RYAN GOSLING, BRADLEY COOPER, EVA MENDES, BEN MENDELSOHN
27.06.2013
Por Luiz Fernando Gallego
O diretor Derek Cianfrance dá um salto espetacular em sua carreira com este filme.

Ao contrário de muitos filmes recentes que não justificam a duração maior do que duas horas (ou mesmo o “padrão” em torno de 1 hora e 40 minutos), O Lugar onde tudo termina faz valer cada um de seus 140 minutos muito bem editados pela dupla Jim Helton e Ron Patane - que já haviam trabalhado com o diretor Derek Ciafrance em seu longa de ficção anterior (imbecilmente intitulado Namorados para sempre no Brasil) e também em um documentário de Ciafrance para a TV.

Aliás, esses montadores têm em seus currículos a edição (e eventualmente direção) de documentários, experiência que pode ter colaborado para o realismo das espetaculares cenas de ação que não estão no filme gratuitamente: vemos o personagem de Ryan Gosling (‘Luke’) como um ás da motocicleta, capaz de se arriscar em “globos da morte” de circos ambulantes e que vai usar suas habilidades extraordinárias em fugas da polícia quando resolve enveredar pelo caminho de assaltos a pequenos bancos.

As cenas de moto desabalada em lugares improváveis, “costurando” entre automóveis em ruas ou estradas e até em ziguezagues irregulares evitando árvores em bosques, são cheias de adrenalina, mas isso jamais é o atrativo maior do enredo muito bem urdido. E por falar nisso, o roteiro (do diretor com mais dois colaboradores) escancara, sem o menor pudor, um esquema frequente nos manuais de roteiros americanos preconizando que a história dos filmes seja desenvolvida em “três atos” - como se fossem textos teatrais mais antigos, quando raras peças contemporâneas seguem essa divisão. A ideia é manter o interesse da plateia com um pequeno clímax a cada meia hora até o “gran finale”, mas O Lugar onde tudo termina segue esse aparente esquematismo por questões inerentes ao que se quer narrar e demonstrar, sendo estruturalmente um filme com três histórias que poderiam ser independentes mas que não são e se desenvolvem através do tempo

Sua “primeira parte” é centrada em ‘Luke’ e conta com mais um desempenho memorável de Ryan Gosling, mesmo que de início surja o temor de que ele esteja estereotipando personagens tal como o que encarnou em Drive (2011). Nada disso: seu ‘Luke’ tem toda uma composição interiorizada com um exterior minimalista que vai se expandindo aos poucos para culminar no destempero das cenas de assalto e retorna ao máximo de sutileza quando no desfecho desse -digamos – “episódio” ele telefona para ‘Romina’ (outra boa caracterização de Eva Mendes).

No segmento central o foco recai no policial ‘Avery’, encarnado por Bradley Cooper e que só aparece perto do final do trecho dominado por Gosling. É uma situação ingrata para o astro que ficou popular em comédias mais ou menos popularescas, mas que já demonstrou, sempre que possível em filmes mais dramáticos, ter mais a oferecer às plateias femininas do que uma bela estampa. Depois de um Allegro ma non troppo com passagens em Presto o filme passa a um Andante.

O “terceiro ato” seria um Rondo repetindo temas anteriormente desenvolvidos mas em novo cenário e outra época, pois acontece após um intervalo de tempo de 15 anos; e o protagonismo é dividido entre os jovens ‘Jason’ e ‘AJ’, vividos, respectivamente, por Dane DeHaan e Emory Cohen, que formam um duo convincente apesar de serem mais velhos do que os garotos que interpretam.

Pode ser que ao sair da sala de projeção o espectador se questione sobre as muitas coincidências e acasos que aproximam e/ou separam os protagonistas; e considere se há algum esquematismo na construção de personagens (especialmente alguns secundários na trama, ainda que fundamentais para a história seguir adiante como o de Ray Liotta – ator que é marcado por tipos mau-caráter – e sua turma). Mas é assim que se constata o mérito da direção e montagem: enquanto o filme corre na tela a plateia se mostra totalmente absorvida, a “suspensão da descrença” é habilmente induzida e, com isso, a discussão principal subjacente à ação vai se impor: sem ser um “filme de tese”, O Lugar onde tudo termina aponta para um não-maniqueismo em vidas que são inicial e aparentemente antípodas.

De um lado, um looser à margem da sociedade que apela para assaltos porque as maiores habilidades que desenvolveu são insuficientes para suas melhores intenções quando descobre que uma namorada eventual teve um filho dele. Literalmente do “outro lado”, encontramos um policial também cheio de outras boas intenções, e naturalmente em terreno adversário ao de ‘Luke’: ele quer aplicar a Lei, é formado em Direito e filho de um juiz, mas vai encarar o corporativismo das bandas podres das polícias, tentações e riscos de cooptação e/ou de cumplicidade. Mais adiante no tempo, somos apresentados a dois adolescentes que novamente estão em lados opostos da pirâmide social e acompanhamos o que o passado de suas famílias ou/e o destino (quase como em uma tragédia grega) vai lhes reservar. Mesmo que esse terceiro “ato” seja mesmo mais tipificado, não incorre em estereótipos grosseiros e a verossimilhança com o mundo real é bem estabelecida.

Ao retrabalhar personagens que poderiam ter saído de um bom “filme B” e/ou noir da melhor estirpe (o ladrão com quem até simpatizamos; o policial idealista que vai ter que enfrentar corrupção no que deveria ser o “lado certo” da Lei; e os adolescentes que carregam o peso de suas origens) esse neo-noir não cai na armadilha-clichê de tentar reproduzir o estilo formal dos filmes típicos dos anos 1940 em diante. A lembrança que deixa é até a de cenas mais claras, com luz admiravelmente captada pelo mesmo fotógrafo de Shame (2011) e de Hunger (2008), Sean Bobbitt; e de uma câmera que sabe quando ficar trêmula, instável e agitada, mas também quando é fundamental reduzir o ritmo das imagens, perseguir os atores de longe ou, de perto, mostrar seus rostos em enquadramentos exatos.

Seguindo o padrão do melhor que o “cinemão” americano tem a oferecer sem ficar engessado em tais fórmulas narrativas, Derek Cianfrance dá um salto em sua carreira com este filme, aproximando-se (ainda que em outro estilo narrativo, talvez menos sofisticado) do que James Gray conseguiu em suas obras tão “policiais” quanto “familiares” (especialmente em Os Donos da Noite (2007) - que também contava com Eva Mendes no elenco). Muitos diferentes, esses filmes convergem em qualidade de suas narrativas dessemelhantes e na exposição e discussão de “éticas” divergentes em diferentes segmentos sociais e culturais.

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Outros comentários
    471
  • dina moscovici
    28.06.2013 às 10:29

    É um filme com muita história numa mesma historia......daí a necessidade de ser revisto.....separar os capítulos e ter tempo de apreciar a narrativa fílmica, que muita vez é atropelada no esforço que tem o espectador de não ficar no simples " causa e efeito", o que empobreceria, seguramente, o todo do filme. Gostei do título, tem algo de fatalidade que já coloca o público na gramática do autor. Talvez...tudo pudesse ser diferente....mas, assim não parece pensar o diretor...... .......ideias vagas sobre um filme vago.....melancólico......d.
  • 475
  • Rodrigo Goulart
    03.07.2013 às 22:11

    Acho a primeira parte do filme muito boa, embora Gosling interprete praticamente o msm personagem de Drive (um motorista/motoqueiro habilidoso, que ora faz vezes de mecânico/stunt, mas que se entrega à vida do crime para salvar mãe e criança). Na segunda parte, com a mudança no foco do protagonista, o filme cai um pouco, não por Cooper, mas pq já vimos essa história de policial honesto contra a corrupção da classe inúmeras vezes). Quanto à tarceira parte, me importo menos com o fato de ela ser "forçada" e mais pelo fato de ser totalmente previsível. Simplesmente dá para adivinhar as cenas seguintes e isso, inegavelmente, tira o impacto do resto da projeção. Outro contra: ninguém ter envelhecido em 15 anos, além dos dois garotos, claro. Um pouco de maquiagem não faria mal. Mas o saldo do filme é positivo. Contribuem para isso a trilha do Mike Patton (Faith no More), a atuação do elenco e a fotografia. Nota seis.