Críticas


OS SUSPEITOS

De: DENIS VILLENEUVE
Com: HUGH JACKMAN, JACK GYLLENHAAL, VIOLA DAVIS, MARIA BELLO, TERRENCE HOWARD
21.10.2013
Por Luiz Fernando Gallego
Deixa a sensação de que o espectador também sofreu um abuso que excede a tela.

Embora tenha sido contratado para este projeto, o diretor Denis Villeneuve, tal como em seu filme anterior, o superestimado Incêndios, desenvolve neste Os Suspeitos uma narrativa que vai evoluir através de pistas e revelações na forma de um quebra-cabeças que cabe ao espectador montar.

O roteiro é de Aaron Guzikowski, que antes só escreveu para Contrabando, de 2012, sem despertar interesse no que foi a refilmagem do script de um filme europeu de três anos antes.

A exposição da trama funciona como a personagem da mãe morta de Incêndios que deixou tarefas para o casal de filhos conhecidos; seguindo os passos pré-determinados por ela, o enredo seguia rumo à revelação final que mesclava tortura, incesto e... manipulação. Também em Os Suspeitos há cenas de tortura apresentadas com tanta ênfase que podem fazer com que algumas pessoas deixem a sala de projeção antes de o filme acabar. Pode parecer engenhoso encerrar várias cenas em fade (com edição de uma dupla que montou praticamente todos os filmes de Clint Eastwood nas duas últimas décadas, Joel Cox e Gary Roach), evitando-se a exposição mais explícita de cada novo elemento que surge - e isso vai se repetir até mesmo no desfecho, feito para deixar uma inquietação no ar, mais do que um alívio catártico.

Um jogo sado-masoquista é estabelecido com a plateia ao longo das explicações, a conta-gotas, sobre os mistérios da história, pois tais revelações, quase sempre incompletas, deixam outras possibilidades em aberto - como se fosse um seriado que provoca expectativa pelo “próximo capítulo”. As elipses exigem atenção do espectador e todo esse jogo de revelar/velando aguça o interesse pelo que se vê, mas não há álibi que justifique o excesso de violência com a qual Villeneuve também alimenta o jogo de gato e rato com o espectador. Assim como a alusão a labirintos pontua todo o filme, também a plateia é jogada em um labirinto com falsas saídas e algumas aberturas que, entretanto, não permitem ver o que existe mais adiante. Ao contrário do que se passa em outro filme coincidentemente em cartaz no Rio, Salvo-uma história de amor e máfia, no qual uma cena violenta se passa inteiramente extracampo, aqui os planos próximos de um rosto banhado em sangue e desfigurado aproximam-se da pornografia da violência, cada vez mais frequente em filmes mainstream com atores famosos prestigiando a empreitada e atraindo o público

E, de fato, é um elenco de sonhos cujos rostos e planos são iluminados ou sombreados por Roger Deakins, cuja competência como fotógrafo vem servindo aos filmes dos Irmãos Coen. Hugh Jackman se destaca como o pai de uma das meninas sequestradas, quase todo o tempo em estado de tensão alguns degraus acima do tolerável - o que poderia levar seu desempenho ao overacting ou ao ridículo, o que jamais acontece. Jake Gyllenhaal tem que se submeter a um personagem delineado a partir de uma única dimensão, um corte transversal no tempo presente da ação, como se aquele policial fosse constituído apenas pelo que serve essencialmente à trama: uma certa oposição aos impulsos de seu quase-antagonista, o papel de Jackman. Maria Bello e Viola Davis transmitem a verossimilhança exigida por suas personagens, cada uma com uma reação própria ao horror de terem suas filhinhas desaparecidas, assim como Paul Dano é capaz de compor um tipo quase sem falas a partir da construção interiorizada de um personagem praticamente “vazio”, um tour de force que evita qualquer traço de caricatura de um deficiente intelectual (ou não?).

ADVERTÊNCIA: SPOILER NOS TRECHOS SEGUINTES

A situação se revela menos satisfatória no que diz respeito a Melissa Leo que encarna uma personagem sugestiva do arquétipo de bruxa, um pouco como a de “João e Maria” na floresta, ainda que sem casa de chocolate. Neste ponto, até mesmo a habilidade narrativa não é capaz de dar conta do aspecto grandguignolesco de roteiro e filme, mas o recurso ao arquétipo citado pode propiciar a sensação de plausibilidade a partir de vivências regressivas inconscientes (coletivas?). O filme termina com pontos em aberto intencionalmente, embora algumas inconsistências possam ser percebidas, durante (ou mais ainda após) a sessão.

O título original, Prisoners, seria mesmo mais adequado, já que o filme lida o tempo todo com pessoas aprisionadas em série: cada fato é consequência de seu predecessor. Aprisionar a plateia pode ser uma especialidade do diretor com recursos de prestidigitação, ocultamento e revelações dosadas, mas tudo concluído fica a sensação de que o espectador sofreu um abuso que excede a tela.

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Outros comentários
    815
  • Ana Maria Ferreira Pinto
    22.10.2013 às 14:50

    Que alívio!...Ao ler seu comentário , sentí alívio! ... Ao final do filme, uma sensação de "excesso", que eu não sabia por em palavras. Que bom que você o fez. Saí com a sensaçãao de um "abuso" desnecessário. Pelo suspense permanente, que não encontra desfechos ou catarses, e sim, angustia. A violência do" jogo de gato e rato" com o espectador. Enfim , de fato, um labirinto onde não se pode vislumbrar saídas, tendo o "excesso" como parceiro. Um filme de suspense, que te faz sair com a sensação de ter sido "violentado".