Críticas


CIDADE DE DEUS – 10 ANOS DEPOIS

De: CAVI BORGES E LUCIANO VIDIGAL
05.11.2015
Por Marcelo Janot
Um belo convite à reflexão sobre temas tão diversos

CIDADE DE DEUS – 10 ANOS DEPOIS, documentário de Cavi Borges e Luciano Vidigal, é um belo convite à reflexão sobre temas tão diversos que vão desde o conceito de fama no imaginário da população pobre brasileira até o papel da arte na ressocialização do criminoso. Falando assim parece que o filme tem cara de tese sociológica, mas passa longe disso. Ao mostrar os rumos tomados por aqueles meninos de favela que de uma hora para outra se viram alçados ao estrelato por um filme concorrente ao Oscar, o doc trata sobretudo de sonhos, muitos deles desfeitos pelo choque brutal com a realidade.

Cavi e Luciano acertam em cheio ao deixarem de lado tudo aquilo que poderia deixar o filme com cara de vídeo promocional – nada de louvações ao trabalho de Fernando Meirelles, Katia Lund, Guti Fraga e Fátima Toledo, responsáveis diretos pelo sucesso dos jovens atores, e nada de elogios deles aos meninos. Apenas os atores são entrevistados, e suas histórias dizem muito sobre o Brasil de 10 anos atrás e de hoje. Entre os depoimentos, destaca-se o de Rubens Sabino, que interpretou Neguinho no filme. Foi um dos atores que viu a vida imitar a arte e acabou preso. Seu discurso foge do script e tem sua força na contradição em relação ao que fala – num primeiro momento, filosofa desdenhando dos objetivos de um documentário como esse, que segundo ele só serviria ao ego dos envolvidos. Aos poucos vai se soltando e percebendo que só se vence o sistema fazendo parte dele, e sonha em recomeçar a vida como compositor tendo uma de suas músicas gravadas por Seu Jorge.

Companheiro de elenco dos meninos, Seu Jorge virou o paradigma de sucesso, o exemplo do sonho que virou realidade. Alguns chegaram perto, embora muitos ainda vivam em condições modestas. Em comum a todos eles, a paternidade precoce é um dado impressionante, que surge espontaneamente nos depoimentos. Sem controlar a natalidade através do investimento em educação, o Brasil continua parindo e despejando no mundo milhares de Zé Pequenos, Buscapés, Alicates e Neguinhos, cujos rumos a ficção nem sempre conseguirá desviar.

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário



Outros comentários
    4199
  • Pere Jordi
    05.11.2015 às 12:09

    so se vence o sistema desde dentro dele? ao contrario... pode ser vencido quando finalmente entendemos que o Sistema, como o Freddy Krueger dos filmes de terror, se fortalece quando pensamos nele. Por fora do sistema e que os miseraveis encontram formas de resolver seus problemas.... sem as estruturas daquele estado ausente, criando seus proprios ambientes e relaçoes sociais, educativas, produtivas.... no dia que a gente entenda que é o Sistema quem precisa da gente, e nao o contrario, entenderemos mais claramente o caminho a ser trilhado.
  • 4206
  • LUIZ ROSEMBERG FILHO/Rô
    06.11.2015 às 05:57

    É exatamente o que eu acho; o filme ganha por ser uma análise respeitosa dos malefícios que o cinema pode causar numa população propositalmente desprovida de um saber que um determinado tipo de cinema pode influenciar numa comunidade. Influenciar para o bem e para o mal. O filme e a crítica acertam por não serem arrogantes e focarem bem todos os problemas do uso do outro pelo cinema. É uma prova que ainda se pode fazer um cinema de criação, mesmo num tempo feio como o que estamos vivendo.