Críticas


TREM NOTURNO PARA LISBOA

De: BILLE AUGUST
Com: JEREMY IRONS, MÉLANIE LAURENT, MARTINA GEDECK, JACK HUSTON, TOM COURTENAY.
29.11.2013
Por Luiz Fernando Gallego
Os diálogos são patéticos, o artificialismo das situações é gritante e a pretensa "solenidade" da narrativa acaba soando bizarra.

Se o prezado leitor pretende assistir ao mais recente filme de Bille August e com elenco chamativo que vai do veterano Jeremy Irons até a mais novinha Mélanie Laurent (que esteve no elenco de Bastardos Inglórios) não precisa temer que este texto vá revelar todo o enredo. Basta que conheça sua abertura para que reflita se vai valer a pena pegar esse “trem” no qual Irons faz um professor suíço de línguas clássicas (segundo a sinopse) que, indo para o trabalho, impede uma jovem de cometer suicídio.

Os papéis que ele carregava se espalham no chão e a ex-suicida, além de ajudar a recolhê-los, pergunta se pode acompanhá-lo. Vão para a sala onde ele começa a dar sua aula, mas a moça se evade deixando um casaco vermelho - que ele vai tentar devolver à sua dona obsessivamente - e um livro escrito em português - pelo qual ele se apaixona mais obsessivamente ainda.

O tal livro tem frases indignas até de um Paulo Coelho como “Quando você se vai, deixa algo de si mesmo para trás. E ali ficaremos mesmo quando tivermos ido embora. E há coisas nossas que só podemos reencontrar se voltarmos. Nós viajamos em direção a nós mesmos quando voltamos a esses lugares ...”

Neste mesmo livro ele encontra uma passagem de trem para Lisboa e larga a aula pelo meio, abandona suas atividades e vai para Portugal querendo encontrar o autor de trechos como o reproduzido acima e que tanto o fascinaram. Na porta de uma casa lisboeta, uma placa anuncia “médico” sob o nome do escritor. A irmã do sujeito procurado (Charlotte Rampling) pergunta se Irons está doente, mas ele esclarece: “Não, é que estou lendo este livro e queria encontrar o autor, pois o que ele escreve me toca profundamente”.

Alguém imaginaria Irons no papel de tiete em busca de um escritor tomado como guru, tal como se este fosse um outro Salinger? Além desse gancho inicial mais do que pouco verossímil a própria narrativa cinematográfica, burocrática e insípida, já deixa a forte impressão de que nada melhor virá pela frente – e de fato, a partir daí, o arrebatado professor vai reconstituir dramas políticos e amorosos do passado lusitano no século XX sob a ditadura salazarista em uma estrutura (?) de roteiro à moda de "quebra-cabeças" do tipo em que as peças se ajustam como se fosse um joguinho previsível de modelo simplificado de puzzle para menores de 6 anos.

Os diálogos são patéticos, o artificialismo das situações é gritante e a pretensa "solenidade" da narrativa acaba soando bizarra com a indefectível música de fundo - pelo menos nem tão enfática, com uma tecla de piano repetida e suaves cordas ao longe - mas onipresente.

Em resumo, temos o desperdício de nomes de atores europeus mais ou menos atraentes para o público de filmes com pretensão a dramas “sérios”: alemães (Bruno Ganz, Martina Geddeck), outros ingleses (Charlotte Rampling, Tom Courtenay, Christopher Lee e o mais jovem Jack Husotn - que é neto do diretor John Huston), franceses (Mélanie Laurent de cabelo negro e irreconhecível), suecos (Lena Olin), todos em papéis de portugueses, falando em inglês, mas com pronúncia bem lusitana na hora em que dizem seus nomes: "Xtfania" (Estefânia) "Xorgi" (Jorgi) ’driana (Adriana).

As cenas saltam de um encontro de Irons com cada um dos atores mais velhos para outro, entremeando a “ação” atual com flashbacks “emocionantes” do passado onde vemos os mesmos personagens interpretados pelos atores mais jovens, mas nenhum deles, veteranos ou novatos, deve se orgulhar de participações tão descoloridas - enquanto Irons transmite um entusiasmo não mais do que britanicamente fleumático em um desempenho que só não é péssimo porque ele até tenta (ainda que no piloto automático) ser correto – mas o personagem não convence como um suíço culto arrebatado por um livro tão ruim.

Tudo isso vem assinado por um diretor que já recebeu duas Palmas de Ouro em Cannes, o dinamarquês Bille August, a quem ninguém menos do que Ingmar Bergman escolheu para dirigir seu roteiro sobre o namoro de seus pais - "As Melhores Intenções", de 1992, premiado em Cannes - assim como "Pelle, o Conquistador" em 1987.

De lá para cá a carreira de August só vem dando sinais de fadiga crônica em filmes cada vez menos interessantes e que agora parece ter chegado ao fundo do poço. É de se temer saber que ele pretende refilmar o romance de Vladimir Nabokov, “Gargalhada no Escuro” que já foi levado às telas por Tony Richardson em 1969 com resultados discretos (filme lançado no Brasil como A Noite Infiel).

O saldo mais grotesco deste Trem noturno para Lisboa fica por conta da mão de Tom Courtenay, deformada por torturas no passado e com o cano da luva cenográfica visível no punho do ator. E ver que até Drácula (Christopher Lee) se não virou ermitão como o diabo, virou padre em Portugal.



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Outros comentários
    1032
  • roberto
    05.12.2013 às 06:40

    filme para ateus bestificados ( como o tal professor), que se emocionam com o discurso anti religioso de um dos líderes da resistência, no enterro do próprio pai; professor que depois vai flertar com a médica, fazendo aquelas gracinhas de ateu recém lavado cerebralmente " quer dizer que se Jesus tivesse morrido eletrocutado iriam adorar uma torradeira"; um trambolho a tal história; digna de um completo paspalho a busca do tal professor; um tédio do começo ao fim
  • 1206
  • Thanya
    01.02.2014 às 02:12

    Adorei o filme...não concordo com nada do q li a respeito do mm...comentário péssimo desse Luiz F Gallego...o filme éh romântico e não precisa de detalhes de visão...éh só uma história...linda ...com já disse, adorei...
  • 1211
  • Jandiro Adriano Koch
    05.02.2014 às 20:02

    Os críticos não são mais críticos, são só mais alguém opinando. Assim, sinto-me à vontade para dizer que não vi nada do que apontam de ruim. Ao contrário, amei o filme, do início ao fim.
  • 1249
  • Fritz Kiemle
    05.03.2014 às 11:59

    Acabei de ler o livro hoje. É muito pretensioso, impalpável e totalmente sem sabor. Como ficou 4 anos em lista de mais vendidos? Só na Alemanha, onde a insipidez é o natural! Detestei o livro, mas verei, por teimosia, o filme hoje, só para ver se encontro algo que justifique a filmagem e alguns elogios a tanta chatice.
  • 1253
  • Olga
    09.03.2014 às 14:30

    Adorei o filme do começo ao fim!