Críticas


FESTIVAL DO RIO 2003: MENINO DE ENGENHO

De: WALTER LIMA JÚNIOR
Com: GERALDO DEL REY, ANECY ROCHA, SÁVIO ROLIM, RODOLFO ARENA, MARIA LÚCIA DAHL, ANTONIO PITANGA
30.09.2003
Por Carlos Alberto Mattos
INFÂNCIA PRESERVADA

Menino de Engenho, o primeiro filme de Walter Lima Júnior, está voltando novinho em folha, após uma minuciosa restauração por iniciativa do Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro, com patrocínio da BR Distribuidora. Este não é um projeto de restauração como os outros. A começar pela pouca idade do filme. Feito há 38 anos, está longe de ser uma daquelas obras sexagenárias onde o tempo, por si só, justificaria todo cuidado. E no entanto Menino de Engenho tinha seus negativos abaulados, quimicamente deteriorados, a um passo da perda total. Ou seja, ao cinema brasileiro não precisa estar velho para estar em perigo.



Justamente por sua relativa juventude, o filme, apesar do rótulo festivaleiro de “tesouro das cinematecas”, ainda é capaz de manter um diálogo vivo com o espectador de hoje. Embora sua matriz literária – José Lins do Rego e o ciclo da cana-de-açúcar – não esteja entre os modelos em voga atualmente, Lima Jr. a impregnou de uma tal inquietação que impediu o filme de envelhecer.



Menino de Engenho exprime a passagem do diretor entre dois mundos, em pleno desabrochar do Cinema Novo. Vindo de um contato íntimo com a velha crítica dos anos 1940-50, cabeça povoada de cineclubismo europeizante e cinefilia hollywoodizante, ele acabara de viver a experiência libertadora de filmar com Glauber Rocha, como assistente e confidente criativo em Deus e o Diabo na Terra do Sol. Sem antes dirigir um curta sequer, lançou-se à direção de Menino de Engenho como quem constrói uma casa sob medida em torno do próprio corpo.



O filme resultou um híbrido do “olhar reprodutivo” do cinéfilo e do gesto de ruptura de quem busca o seu próprio caminho. As externas majestosas e as cenas em família no engenho do avô Zé Paulino ecoam os westerns americanos, os dramas irlandeses de John Ford e mesmo o lirismo rural de Humberto Mauro. Mas as irrupções bruscas da montagem, a descontinuidade de tempo e espaço que se nota no prólogo ou na conversa entre Maria Menina (Anecy Rocha) e Maria Lúcia (Maria Lúcia Dahl), recém-chegadas de Recife, são índices de um antinaturalismo mais identificado com os cinemas novos dos anos 1960. Menino de Engenho trazia a discussão entre o velho e o novo, que então dominava o horizonte do cinema brasileiro, para o plano da forma, no interior do filme.



Revê-lo agora é, portanto, revisitar aquele momento em que a renovação e a mudança ainda valiam alguma coisa no mercado das idéias. Era preciso ir além das fórmulas e cavar um espaço próprio, na luta com as heranças de ontem e as influências de então. Rever a versão restaurada é também redescobrir muitos detalhes que as velhas cópias e os deslustrados VHS não deixavam perceber. A morte da prima Lili, por exemplo, é poeticamente sugerida apenas por um desfocamento combinado com um estouro de luz.



Além do beijo na boca entre Carlinhos e Maria Clara, a famosa cena do sexo com a bananeira foi uma das razões do “escândalo” que ajudou Menino de Engenho a atrair cerca de 2 milhões de espectadores. Mas a grande ousadia ficou semi-escondida numa montagem rápida e descontínua, que agora vale a pena recuperar. A bananeira é apenas uma em série de quatro tomadas, nas quais Carlinhos ostenta uma diversidade sexual espantosa: entra na plantação com um pequeno animal nos braços; afasta-se em direção ao canavial levando outro menino pela mão; cava um orifício na bananeira e atraca-se à árvore; e aparece enroscado sobre o corpo de uma mulher.



A importância histórica de Menino de Engenho cresce com o fato de que ali estreavam no cinema, além do diretor, as atrizes Anecy Rocha e Maria Lúcia Dahl, o assistente de direção Julio Bressane e o estagiário de produção Jorge Bodanzky. De alguma forma, é parte importante da infância do cinema moderno brasileiro que ali se encontra, agora felizmente preservada.



Menino de Engenho terá exibição única no Cine Odeon BR, no dia 5 de outubro (domingo), às 14h30. No dia seguinte, no Copacabana Palace, o assunto estará em pauta na Conferência Internacional de Preservação Cinematográfica, que se inicia às 10h30.





MENINO DE ENGENHO

Brasil, 1965

Direção e roteiro: WALTER LIMA JÚNIOR

Elenco: GERALDO DEL REY, ANECY ROCHA, SÁVIO ROLIM, RODOLFO ARENA, MARIA LÚCIA DAHL, ANTONIO PITANGA

Duração: 110 minutos

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