Críticas


UM ESTRANHO NO LAGO

De: ALAIN GIRAUDIE
Com: PIERRE DELADONCHAMPS, CHRISTOPHE PAOU, PATRICK D'ASSUMPÇÃO
20.12.2013
Por Luiz Fernando Gallego
Nem tudo é convincente, mas os diálogos e a narrativa visual são muito bons

Este filme pode ser visto como uma variante gay de Basic Instinct (Instinto Selvagem no título nacional) que ficou famoso, sobretudo, pela ampla cruzada de pernas da Sharon Stone. Troca-se o ambiente claustrofóbico de quartos (com estiletes sob a cama que acolhia casais heteros) por um belo ambiente aberto - o tal lago do título - que sugere um paraíso só de Adões, sem Evas. Eles estão quase sempre nus em um trecho da borda do lago, uma pequena praia, deitados ou sentados (não sei como aguentam aquele chão pedregoso). Portanto, não precisam cruzar as pernas para revelar os atributos que estimulam as atrações mútuas entre eles visando encontros sexuais descompromissados no mato que fica entre a prainha e o estacionamento onde os carros chegam diariamente no verão.

No lugar do estilete ameaçador – e, por isso mesmo, excitante para o personagem de Michael Douglas no filme do Paul Verhoeven – desta vez surge uma simples pergunta ao parceiro desconhecido que topou ir para o mato, e já na 'hora H': “Você faz questão de camisinha?” Como se fosse uma opção do tipo água com gás ou sem gás.

Há aqueles que “nem pensar” em tal hipótese, mas quem faz a pergunta já dá a entender que topa riscos. Esse é o caso de Franck, o personagem central do filme.

E haverá quem responda que não faz questão de usarem preservativo. Esse é o caso de Michel. Mas muito além disso, Michel já foi visto por Franck em situação que representa grande e gravíssima ameaça a quem estiver com ele. Só que, como diz o terceiro personagem central do enredo, um gorducho totalmente fora dos padrões, Henri (que diz não estar ali atrás de pegação), “Michel tem um corpão” e por isso, Franck, excitado, não estaria percebendo como o outro seria estranho e ameaçador. Mas Henri não sabe que Franck sabe mais do que aquilo que Henri desconfia.

Prêmio de direção para Alain Guiraudie na mostra Um certain regard em Cannes 2013, L’inconnu du lac (título original) e figurinha fácil em listas de "melhores de 2013", o filme parte de uma situação e ambientação fascinantes ao excluir todo o mundo além do lago, do mato e do estacionamento. Este, aliás, é visto várias vezes no mesmo ângulo panorâmico, como que pontuando cada novo dia em que Franck vai ao lago querendo encontros sexuais, abrindo os "capítulos" da história. O lago é deslumbrantemente fotografado e visualmente extraordinário. E o mato é o ponto de encontro com direito a algumas cenas de sexo explícito que podem não agradar ao público mais conservador.

Se a ideia básica é interessante, o desenvolvimento nem sempre será totalmente convincente, especialmente na tentativa de desenhar o personagem de Henri, a rigor o mais “estranho” naquele lugar (no caso de aceitarmos que ele de fato não tem interesses homossexuais). O ator Patrick d’Assunção ajuda a manter um lado mais banal e outro mais enigmático para o personagem, mas as intenções do diretor-roteirista não ficam muito claras: quereria mostrar um contraponto entre a amizade - sem erotismo - de Henri em relação a Franck, por um lado - e, por outro, a fissura de Franck por Michel, um tesão compulsivo apesar da plena consciência do enorme perigo que outro pode representar (ou por isso mesmo)?

Nem tudo fica convincente no desenrolar dos fatos, especialmente no que diz respeito a Henri, por mais que o roteiro informe que ele estaria depressivo após o término de um casamento (hetero, diz ele) e com um passado sexual (ao lado de uma “ex”) mais – digamos- aberto, sem que ele tenha passado a curtir práticas homossexuais. Outro personagem que vem “de fora” do mundo explicitamente gay atende ao clichê obcecado de sua profissão (mais nos filmes do que no mundo real). Em contraponto, os diálogos quase sempre são muito bons, assim como a narrativa visual através dos enquadramentos e da sequência das imagens através de uma decupagem bastante funcional.

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Outros comentários
    1084
  • dina moscovici
    22.12.2013 às 09:28

    O pior do filme: não tem erotismo, ingrediente indispensável para qualquer pretensa obra de arte. O fato de estarem "vestidos de nus" não acrescenta nada ao imaginário erótico: apenas um passeio pelos jardins do éden onde tudo é permitido ... e, sem interdição não há pecado. Foi necessário colocar (......................) para produzir algum mistério nesse tedioso filme.