
A obra dos irmãos Joel e Ethan Coen é de uma impressionante regularidade, como se eles tivessem descoberto uma fórmula à prova de filmes ruins. Seus 16 longas têm características e temas que se repetem, mas quase sempre é possível enxergar frescor e novos elementos. É o caso de “Inside Llewyn Davis ”, sua primeira cinebiografia musical, inspirada no cantor de folk dos anos 60 Dave Van Ronk.
Trata-se de algo bem distante do que Hollywood costuma produzir no gênero. Mestres da ficção, os Coen não se deixam aprisionar pela História. Llewyn Davis está mais próximo de tantos protagonistas marcados pelo fracasso como vimos em “Barton Fink” ou “Um Homem Sério” do que propriamente de fatos da vida de Ronk. A odisseia homérica de Llewyn – acompanhado de um gato chamado Ulisses – é cuidadosamente construída para ser, ao mesmo tempo, um estudo de personagem com toques de comédia amarga e um preciso retrato de uma época na história da música.
A ambientação em uma Nova York sob a neve, em tons cinzentos, inspirada pela capa do seminal LP “The Freewheelin”, de Bob Dylan, é fruto de mais um brilhante trabalho do diretor de fotografia Bruno Delbonell (o mesmo do “Fausto” de Sokurov), que está indicado ao Oscar. Nessa atmosfera pouco acolhedora, em que um músico talentoso se vê frente a poucas perspectivas profissionais e afetivas, o filme desglamuriza a contracultura, colocando-a sob o jugo do mercado do show business.
O tom da narrativa não chega a ser sombrio, graças ao humor negro característico dos Coen, mas o universo da música folk merece uma abordagem quase solene. Desde a primeira cena, os números musicais são apresentados na íntegra e cantados pelos próprios atores. Foi a maneira que os diretores encontraram para manifestar sua profunda admiração pelo gênero, resultando num filme melancólico, mas impecável, sob vários aspectos.
(publicado originalmente em O Globo de 21.02.2014)