Críticas


ROBOCOP

De: JOSÉ PADILHA
Com: JOEL KINNAMAN, GARY OLDMAN, MICHAEL KEATON
22.02.2014
Por Nelson Hoineff
Extraordinariamente ágil nas cenas de ação, inteligentemente recatado nos momentos mais introspectivos

O novo Robocop tem sido associado a uma das mais antigas questões da ficção-científica, a da humanização da máquina, para o bem ou para o mal. Minha própria percepção, contudo, é um pouco diferente. O filme não me parece ter a máquina como epicentro de sua ação, mas o ser humano. O que acontece ali tem como espinha dorsal a nossa capacidade de aceitação.

Parece-me óbvio ver assim, porque isso se dá reiteradamente. Há o protagonista, claramente definido como um exemplar chefe de família – uma família irretocavelmente feliz, como convém a aventuras na tradição maniqueísta do gênero. Pois esse protagonista, por força dos métodos que utiliza no seu trabalho, sofre um atentado selvagem. Uma bomba colocada em seu carro o deixa seriamente mutilado. Mais do que mutilado. De seu corpo, restam apenas a cabeça, o tórax e uma das mãos. É uma mutilação horrível e radical, com a qual sua mulher terá que aprender a conviver. Mas não é fácil perder um jovem marido para conviver com um tórax e uma cabeça. Há, então, uma segunda opção. Ela está num conjunto de próteses, que não se parecem nem um pouco com um ser humano, mas que mantém o herói vivo e ainda por cima o dotam de super-poderes. Tais poderes, é bom lembrar, não nascem do nada, mas têm um firme embasamento (mais fantasioso do que firme, vá lá, mas ainda assim dotado de uma lógica linear) na própria engenharia dessa prótese. Aceitar o que decorre dessas próteses – o marido fica muito mais semelhante a uma máquina do que a um ser humano, mas ainda assim continua sendo um ser humano e é ele, não uma máquina, que está no centro das ações – é a segunda prova de aceitação a que sua mulher tem que se submeter. Não há uma terceira hipótese, exceto talvez deixá-lo morrer, mas nem isso está muito certo que possa acontecer.

O planeta, naquela altura, está repleto de máquinas – desenhadas à imagem de humanos, mas que são máquinas, e não humanos – que executam inúmeras tarefas, entre as quais a exposição a eventos que ofereçam grandes riscos à sua integridade, como guerras e levantes populares. Máquinas não têm famílias, nem sentimentos ou conflitos éticos. Ainda que desenhadas à sombra da arquitetura de seres humanos, portanto, em nada verdadeiramente relevante se parecem com eles. Há portanto, no grande arsenal de seres híbridos de Robocop, um enorme contingente de máquinas e apenas um ser humano. Nenhuma das máquinas está em processo de humanização. O ser humano, em oposição, está dotado de muitos atributos de uma máquina. Ou sua família aceita isso, ou não.

Os nove contos que compõem a principal coletânea de Isaac Asimov, Eu Robô, falam precisamente desses conflitos. A humanização das máquinas batendo de frente com a desumanização dos humanos. Um dos contos é sobre um psicólogo de máquinas. Eu Robô foi publicado há 64 anos, quando nem os avós da teoria da computação haviam nascido. Não é de hoje, portanto, que essa questão lúdica habita as mentes dos que se interessam pela literatura futurista.

A aceitação do destino é naturalmente uma questão bem mais antiga. Amor fati, a aceitação do destino sem amá-lo. Para Nietzche, amar o inevitável, amar o destino, amar o que é justo e o que é injusto. Neste conflito é lançada a bela Clara Murphy (Abbie Cornish), que vai virar as costas para Alex (Joel Kinnaman), o marido que ama, ou aceitá-lo no corpo de uma máquina super-poderosa.

José Padilha, o diretor, entrega o seu produto com méritos de sobra. Ele é extraordinariamente ágil nas cenas de ação, inteligentemente recatado nos momentos mais introspectivos, que é por onde fluem os personagens. É difícil precisar quando os super-herois ganharam cérebros – possivelmente na versão pop da série Batman para a televisão, com Adam West como o homem-morcego; mas o novo Robocop admite e respeita – porque tem por onde fazê-lo - a existência da massa encefálica das platéias. Padilha é um nome singular no cinema brasileiro, um artista que entrará para a sua história. Tropa de Elite 2 é o apogeu de uma revolução nos modelos de produção e distribuição do cinema que se faz e se comercializa no país, além de um filme narrativamente extraordinário. Em Hollywood, Padilha estréia com a serenidade e a estatura moral de um veterano. Tem um imenso caminho pela frente. E ainda assim, num tempo recorde se tornou, com absoluta justiça, um cineasta capaz de falar todas as línguas.

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário



Outros comentários
    1239
  • Marialva Monteiro
    25.02.2014 às 18:51

    Queria ler alguém comentando sobre a questão do negro no filme. O comentarista da TV é negro e defende a todo custo os USA. O amigo do Robô é negro e se refere a sua "cor certa" quando vê a sua roupa negra. E no final , porque ele muda a roupa para a cor branca?