Críticas


ELEFANTE

De: GUS VAN SANT
Com: ERIC DEULEN, ALEX FROST, CARRIE FINKLEA, TIMOTHY BOTTOMS
11.04.2004
Por João Mattos
TIROS SÓBRIOS

Para poder premiar o filme norte-americano Elefante, de Gus Van Sant, com a Palma de Ouro e o prêmio de direção em Cannes ano passado, o júri presidido pelo cineasta francês Patrice Chéreau precisou pedir permissão aos organizadores do festival para rasgar o regulamento do evento, que proibia o acúmulo desses dois prêmios desde 1991, quando Barton Fink, dos irmãos Joel e Ethan Coen, venceu nessas categorias (e mais como melhor ator). Pela maneira como ocorreu, a vitória de Elefante acrescentou ainda mais polêmica a uma obra que trata de tema espinhoso, por ser a primeira versão ficcional do famoso e triste caso do tiroteio na escola Columbine, em Colorado, nos EUA (fora o mais do que polêmico documentário Tiros em Columbine), quando dois estudantes, cansados de ser oprimidos pelos colegas, mataram a bala vários deles (e mais alguns professores) antes de se suicidarem.



O estranho é que, apesar de obviamente ser uma versão do caso Columbine, Elefante nega essa condição em seus créditos finais, ao exibir o famoso aviso de qualquer semelhança dessa obra com a realidade é mera coincidência. Isto se deve a algum problema jurídico, pois além de todas as semelhanças, os dois atores não-profissionais que interpretam os assassinos (bem como todo o elenco que faz os estudantes e que foi recrutado em testes), chamam-se Eric e Alex, tal como os criminosos da vida real. Tomando como base esse tema explosivo, que poderia desbancar em histeria artístico/emocional, Van Sant realizou filme de sobriedade inconteste, buscando uma sutileza que muitos podem ler como frieza. O método do diretor lembra um pouco aquele usual no trabalho do documentarista americano Frederick Wiseman (levando em conta as diferenças entre ficção e documentário, claro), sobretudo e justamente em dois filmes sobre as escolas dos EUA, High School (partes I e II).



Esse método pode ser chamado de mosca na parede, com a câmera ao mesmo tempo distante e colada no assunto, dando uma falsa impressão de casualidade, de um observar isento, o que não é verdade. Van Sant utiliza toda uma escala de enquadramentos e planos-sequência fluídos e contínuos, faz pequenos experimentos temporais, empregando uma narrativa que perturba e mantém a expectativa emocional da platéia sob controle, sem buscar uma catarse purificadora ou excitação vulgar – exemplar a dignidade como o tiroteio é filmado. Os procedimentos atingem seu ponto alto, por mais absurdo que isso possa soar a alguns, no episódio Benny da narração (Elefante é subdividido em pequenas vinhetas trazendo o nome de um aluno e o que ele fez no dia em questão), que, ao invés de trazer algo novo ao desenrolar da trama ou um novo experimento temporal, se limita a registrar de forma ultra-sucinta (menos de um minuto?), a desolação de um rapaz com o massacre.



Como exercício estético, eis uma realização de impacto inegável. Já no plano da crítica social não há nada aqui (o significado do preconceito contra a feiosa masculinizada, da futilidade das patricinhas, a reunião dos estudantes gays, etc) que não tenha sido dito antes, por exemplo, em Atração Mortal (1989), obra-prima de humor negro sobre estresse social na escolas dos EUA, com a divisão dos alunos em castas, ou mais especificamente, sobre tiroteios nas escolas, em Bang, Bang, Você Morreu, recente telefilme lançado em DVD no Brasil e co-estrelado pelo ator do seriado Ed. Mas não há problema nenhum nisso, em não ser original, e as observações feitas são sempre válidas. O problema de Elefante é sua interseção entre o exercício estético e a crítica social. Se não busca respostas fáceis, tampouco abdicando de sugerir explicações, se não tenta uma interpretação global sobre o crime, adotando uma forma e um pensamento elíptico, de subentendidos, de misto de previsibilidade e choque com o que narra, o que não impede de apontar o que estaria errado no tecido social que produziu aquele acontecimento (sem justificá-lo de forma torpe), este filme também frustra. A duração por demais curta (81 minutos), problema que acontece com mais costume do que pensam aqueles que gostam sempre de reclamar o contrário (as metragens estariam longas demais), ameniza e simplifica uma série de conflitos dramáticos e ainda dilui algumas das idéias.



E o próprio todo, para além da sensação de incompletude e sobriedade pretendidas, tem um ar por demais de rascunho, de trabalho em progresso, como sugere o fim tão abrupto quanto bobo. Até mesmo as aproximações do resultado final com o cinema do diretor, suas outras obras que lidavam com juventude, e a tão debatida experiência de carreira de Van Sant, oscilando entre o cinema independente e o de grandes estúdios, com a abrangência e limitação de ambos, acaba um pouco prejudicada.



# ELEFANTE (Elephant)

EUA, 2003

Direção e roteiro: GUS VAN SANT

Elenco: ERIC DEULEN, ALEX FROST, CARRIE FINKLEA, TIMOTHY BOTTOMS.

Duração: 81 minutos

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