Na segunda metade da década de 80, Denys Arcand causou impacto ao colocar homens e mulheres – de início separados em locações diversas e depois reunidos numa casa de campo – falando sobre a desvinculação parcial entre o exercício da sexualidade e a manifestação da afetividade. O título do filme parecia a nomeação de uma tese de doutorado: O Declínio Do Império Americano . A expressão perdeu boa parte de sua estranheza depois dos atentados de 11 de setembro e Arcand recorre ao fato para abrir As Invasões Bárbaras , trabalho em que leva as mesmas personagens a se reencontrarem cerca de 15 anos depois. Boa parte das características da obra anterior pode ser revista na tela grande, como a contracena entre explanações teóricas e o relato de vivências corriqueiras. Mas o assunto aqui é o próprio tempo ou, mais exatamente, a saudade do passado que, claro, não volta.
Remy – uma das personagens de O Declínio... que centraliza as atenções em As Invasões... - se depara com esta sensação mas, paradoxalmente, demonstra ter retido o passado, tendo em vista que reaparece conservando o mesmo espírito do bon vivant de priscas eras. A verdadeira passagem do tempo, mais lógica do que cronológica, se dá nos seus últimos dias de vida, período em que tem a oportunidade de retomar o elo com o filho, Sébastien (ótima presença de Stéphane Rosseau), com quem mantinha um relacionamento até então estremecido. Momento em que assiste também ao retorno dos antigos amigos e aproveita para rememorar experiências intensas. Denys Arcand sublinha determinadas formas de atuação no mundo, acenando com a possibilidade de aceitação mesmo quando as discordâncias são grandes. É assim que As Invasões Bárbaras sobrevive até o término da projeção.
Uma análise mais convencional derrubaria o filme com facilidade e pontos “menores” não deixam de vir à tona com alguma força. Desenhados como reflexos diretos das suas respectivas épocas, Remy e Sébastien sofrem com um esquemático jogo de oposição – o professor de história das antigas versus o milionário capitalista que expressa a sua dedicação fazendo uso da linguagem que melhor domina, o dinheiro. A verossimilhança do roteiro (premiado em Cannes, juntamente à interpretação da atriz Marie-Josée Croze) também pode ser questionada na total ausência de discussão em relação à opção de viciar Remy em heroína como forma de minimizar a dor do câncer, na facilidade com que a droga é utilizada dentro do hospital e no envolvimento de uma junkie estimulado pela própria mãe. Não é só: Arcand também não se preocupa em esconder o suficiente a sua condução emocional. Falhas de um filme com potencial para provocar inquietação no espectador.
# AS INVASÕES BÁRBARAS (Les Invasions Barbares)
Canadá/França, 2003
Direção e roteiro: DENYS ARCAND
Produção: DENISE ROBERT, DANIEL LOUIS
Fotografia: GUY DUFAUX
Elenco: RÉMY GIRARD, STÉPHANE ROUSSEAU, MARIE-JOSÉE CROZE, MARINA HANDS, DOROTHÉE BERRYMAN
Duração: 111 minutos