A abordagem sensível do conturbado período da adolescência – e, em particular, da descoberta da homossexualidade – em “Hoje eu quero voltar sozinho”, de Daniel Ribeiro, traz à tona, em certa medida, os excepcionais “Delicada atração” (1996), de Hettie MacDonald, centrado no início de relação entre dois rapazes na periferia de Londres, e “Amigas de colégio” (1998), de Lukas Moodysson, sobre o vínculo travado entre duas moças numa pequena cidade da Suécia. O que confere qualidade a essas produções é a intimidade dos realizadores com o universo jovem retratado.
Em “Hoje eu quero voltar sozinho”, Daniel Ribeiro retoma os personagens de seu consagrado curta “Eu não quero voltar sozinho” (2010). O ponto de partida é o mesmo: a chegada de um novo aluno, Gabriel (Fabio Audi), ao colégio, que se aproxima imediatamente de dois amigos inseparáveis, Leonardo (Ghilherme Lobo), menino cego, e Giovana (Tess Coelho). Os rapazes logo estabelecem cumplicidade, gerando ciúmes em Giovana, interessada em Leonardo.
O cineasta, que também assina o roteiro, aproveita situações do curta: o trabalho de escola feito por Leonardo e Gabriel; a confissão de Leonardo a Giovana referente à sensação de que está apaixonado por Gabriel; o moletom que Gabriel esquece na casa de Leonardo; e o primeiro beijo dos rapazes (em espaços diferentes, no curta e no longa). Daniel Ribeiro se vale ainda de personagens mencionados no curta, como Karina e Larissa, as colegas da escola.
Entretanto, apesar de todas as semelhanças, o diretor segue percursos um pouco diversos. No curta, o foco recaía sobre o flerte juvenil entre Leonardo e Gabriel. No longa, os personagens ressurgem em idade mais avançada e a sexualidade, naturalmente, ganha mais destaque. A família tem agora um peso relevante. Com necessidade de afirmar sua independência frente a uma mãe (Lúcia Romano) afetuosa, mas superprotetora, Leonardo busca uma maior autonomia no cotidiano, viaja com os colegas e planeja fazer um intercâmbio. Encontra mais compreensão nas figuras menos inflamadas do pai (Eucir de Souza) e da avó (Selma Egrei). E o ambiente do colégio se torna mais agressivo, com cenas que realçam o bullying sofrido por Leonardo, que, contudo, não se intimida diante do preconceito.
O resultado é satisfatório. A ótima direção de Daniel Ribeiro fica evidenciada na condução do elenco (os atores principais são os mesmos do curta), bastante bem (especialmente, Ghilherme Lobo). Não por acaso, “Hoje eu quero voltar sozinho” recebeu, na última edição do Festival de Berlim, o Prêmio da Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema), destinado ao melhor filme da Mostra Panorama, e o Teddy, voltado para produções de temática homossexual. Cabe lembrar que o cineasta já tinha saído premiado de Berlim com outro curta, “Café com leite” (2007), que conquistou o Urso de Cristal na Mostra Generation 14plus.
A excelência só não é mantida no final, seja pela preocupação em inserir um desfecho feliz para Giovana, algo que soa artificial, seja por um tom de discurso no gesto emblemático de Leonardo e Gabriel, que destoa da organicidade perceptível no restante do tempo. Nada, porém, que prejudique um filme que, sem dúvida, merece ser priorizado pelo espectador.
Texto publicado no jornal O Globo em 10/04/2014