
João Jardim propõe, em “Getúlio”, um recorte. Ao invés de apresentar toda a trajetória de Getúlio Vargas, concentra a atenção em torno dos 19 dias que antecedem o famoso suicídio, em 24 de agosto de 1954. O público é colocado diante da crescente pressão sofrida pelo então presidente para renunciar após a tentativa de assassinato do jornalista Carlos Lacerda, seu opositor político. O episódio, conhecido como o Atentado da Rua Tonelero, terminou com Gregório Fortunato, chefe da guarda de confiança do presidente, acusado, Lacerda ferido, e Rubens Vaz, major da Aeronáutica, morto. Apesar dessa base sintética, o filme evidencia acúmulos no decorrer da projeção: transita por diferentes gêneros (o thriller e o drama intimista); e entrelaça o painel dos agitados bastidores do poder com o destaque ao vínculo inquebrantável entre Getúlio e a filha, Alzira.
Produção vistosa, repleta de atores distribuídos em pequenas participações, “Getúlio” bate na tela como uma realização competente, a julgar pela fotografia de Walter Carvalho, pelos figurinos de Marcelo Pies e Valéria Stefani e, em especial, pela direção de arte de Tiago Marques. A trilha sonora de Federico Jusid é empregada com algum excesso, dado, porém, que não chega a prejudicar o resultado. Em relação ao elenco, Drica Moraes (como Alzira), Alexandre Borges (Carlos Lacerda) e, principalmente, Tony Ramos (em interpretação minuciosa como Getúlio) surgem nos maiores papéis. Em aparição mais discreta, Leonardo Medeiros (General Caiado) merece menção elogiosa. Autor do roteiro, George Moura humaniza Getúlio Vargas, que vem à tona como uma figura frágil e assombrada, mas que, cada vez mais encurralada, trama a própria morte. Ficção escorada na realidade, “Getúlio” reconstitui os fatos nos ambientes em que se deram, reúne personagens históricos (devidamente apontados) e conta com imagens de arquivo. O filme possui qualidades inegáveis. No entanto, sugere caminhos diversos sem desenvolvê-los plenamente.
Crítica publicada no jornal O Globo no dia 1 de maio de 2014