Faz muita falta ao cinema anglófono o tipo de irreverência que foi uma das marcas registradas de Billy Wilder, capaz até mesmo de confundir os personagens de uma mãe de família com o de uma prostituta em um dos seus filmes mais ousados, e não só para sua época - cinquenta anos atrás!!! - como no caso de Beija-me, Idiota. Não é que a irreverência tenha desaparecido do cinema atual, mas sua apresentação segue caminhos tão diversos dos de Wilder como nos filmes de Almodóvar (em outra vertente, latina) ou na mescla de violência grotesca de Tarantino e seus imitadores.
De qualquer modo, o início de A Recompensa sugere que o filme dirigido e roteirizado por Richard Shepard vai seguir uma trilha de atrevimentos: de peito nu (e não só), de frente para a câmera (encarando o público), Jude Law faz um inflamado discurso laudatório de seu pênis (claro que usando outros termos), elogiando-o com os mais insólitos adjetivos, usados e abusados de modo hiperbólico.
A inspiração do restante de lances que se pretendem (e eventualmente são) irreverentes é mesmo mais originada de uma sub-tarantinomania do que da elegância com que um Wilder desenvolvia seu sarcasmo contra os bons costumes do american way of life. Como a origem de A Recompensa é inglesa, o enredo segue um caminho mais britânico de chutar o balde ao abordar um ladrão que preferiu ficar preso a denunciar seus comparsas ou chefes. Mas que espera ser regiamente recompensado pelo silêncio que manteve durante longos 12 anos de prisão - e vem daí o título nacional.
Já o título original, Dom Hemingway, contempla o personagem de Jude Law, deixando a impressão de que o filme foi feito, antes de tudo, como veículo para o ator expor seu histrionismo. Nada contra, até porque seu desempenho é bastante divertido e coadjuvado por boas “escadas” (as ótimas participações de Richard E. Grant e de Demian Bichir).
Pena que depois de começar com um elogio ensandecido ao órgão viril falte ao filme “cojones” para se manter no terreno da galhofa desenfreada. Um sub-plot melosinho entra no filme como o Credo na vida de Pilatos, talvez para agradar à plateia feminina que, querendo ver um filme com o galã Jude Law, possa ficar algo decepcionada ao encontrar o que, na maior parte do tempo, parece ser um produto mais ao gosto dos rapazes.
As cenas “familiares” do enredo dão ao filme uma espécie de dupla personalidade que praticamente emascula a trama que vinha sendo desenvolvida com alguma verve. Mesmo sem chegar aos pés de um filme de Wilder (ou mesmo de Tarantino), poderia ser uma razoável diversão, mas seu lado “meigo” chega a incomodar como um corpo totalmente estranho ao que exibe na maior parte da projeção.