Sob o genérico rótulo “musicais” há um grupo variado de subgêneros: no cinema americano, o formato mais “clássico” é aquele que derivou das óperas (que deram origem às operetas e aos “musicais da Broadway”) nas quais os personagens, em vez de falar, cantam - seja para declarar seu amor, seja até mesmo para se despedirem em caso de estarem morrendo. Muita gente é fã incondicional do formato que já nos deu pérolas como Cantando na Chuva em linhagem mais cômica, ou West Side Story (no Brasil Amor, Sublime Amor), paráfrase de uma tragédia shakespeariana. Mas há espectadores que rejeitam os códigos que permitem que role uma cantoria em filme que vinha se desenvolvendo de modo, digamos, “realista”. Menos “irrealistas” e, às vezes, mais aceitos são aqueles enredos biográficos de cantores que existiram (ou ainda existem) de fato, quando os números musicais surgem se o personagem sobe ao palco ou entra em um estúdio de gravação, reunindo em sua trilha sonora os sucessos do cinebiografado. Este é o caso de Jersey Boys: Em busca da música, também originado de peça teatral que chegou à Broadway (tendo sido bastante premiada), abordando a trajetória do conjunto “The Four Seasons” com destaque para o vocalista Frankie Valli, de voz aguda e com amplo alcance em falsete.
Enquanto no palco o próprio artifício inerente à encenação teatral acabava por dissimular (e assim favorecer) o enredo-clichê (artistas que lutam pelo sucesso, alcançam-no, passam por graves dissabores, mas voltam à fama) o viés mais realista escolhido pelo roteiro (dos mesmos autores do espetáculo teatral) e, principalmente, pela direção pouco inspirada e burocrática de Clint Eastwood, deixam o filme em um limbo de interesse apenas relativo com a ideia de que (parafraseando Aldir Blanc) a pessoa "pode sair de Jersey, mas Jersey nunca sai de dentro dela"...
O parco interesse que o filme desperta é agravado pelo fato de que o repertório do conjunto pertence àquele gênero de musiquinhas-chicletes que podem até grudar no ouvido por um tempo, mas, como todo chicletes, perde o sabor e joga-se fora: o revival de tais canções pode encantar pela associação com a nostalgia por tempos (supostamente) melhores – porque de nossa juventude distante ou apenas porque distante mesmo no tempo e passível de idealizações. Claro que há a exceção de uma composição ótima (a única música boa de fato) e que a maioria absoluta das pessoas vai reconhecer: “Can’t take my eyes off you”, na verdade lançada pelo vocalista sozinho – como o filme registra.
Outro ponto desfavorável na versão para as telas é escutar o canto de John Lloyd Young, ator que não parece ter os 38 anos que tem e que criou o papel no teatro: ele até está muito bem como Frankie Valli no que diz respeito ao lado de ator, mas sua tentativa de recriar a voz aguda de Valli resulta em uma enjoada e feia emissão anasalada e irritante. (Neste sentido, o ator/cantor com quem assistimos o musical em Londres em 2013 era, sob o ângulo vocal, muito mais bem sucedido, além de bom ator). Mas é mesmo o desempenho de Lloyd Young e seus outros parceiros que colaboram para que o filme não fique totalmente desinteressante: o caráter malandro/marginal tal como vivido por Vincent Piazza (no papel de Tommy De Vito) consegue ir além do mero estereótipo (que não deixa de estar presente), assim como se harmonizam bem com os demais as participações de Michael Lomenda (a voz mais grave do conjunto) e, principalmente, de Erich Bergen (o compositor dos sucessos da banda), ambos em personagens mais discretos. E ainda há o bônus da presença de um Christopher Walken irresistível, usando uma chave de interpretação como talvez seria a de Clint Eastwood, caso vivesse o papel do mafioso que protege Valli e, de certa forma, a banda.
Como diretor, entretanto, Clint parece ter tido vergonha de fazer um musical mais “solto” e menos preso aos fatos “reais” ou plausíveis, ou seja, menos “naturalista”, deixando apenas para os créditos finais uma cena em que explora os clichês do gênero com cantoria e dança. Parece estar mandando um recado do tipo “eu sei fazer, se quisesse eu faria”.
Será?
P.S.: Apesar de contar com amplos recursos de produção para a reconstituição de época, cenários, figurinos, etc, assim como em um de seus filmes mais insatisfatórios, A Troca, Eastwood deixou que o roteiro inserisse uma cena de eletrochoque em uma época em que tal coisa nem havia sido inventada, neste filme uma personagem secundária menciona que queria ia ver o filme A Bolha Assassina(de 1958) em uma cena passada em 1951... Anacronismo reincidente...