Com os personagens centrais nada sutilmente batizados como ‘Adam’ e ‘Eve’, Jim Jarmusch parece ter pretendido injetar sangue novo no filme de gênero vampiresco: desta vez eles surgem bem intelectualizados, cultos e, digamos, até mesmo civilizados. Pelo menos na amostragem do casal vivido por Tilda Swinton (como é que ninguém ainda havia pensado nesse tipo de papel para ela?) e Tom Hiddelston (que saltou da pequena participação como o elegante F. Scott Fitzgerald de Meia-Noite em Paris para ser o amante de Rachel Weisz em Amor Profundo - e dali para fazer o 'Loki' de The Avengers). Como cota extra do alto nível artístico desta tribo vamos descobrir que o dramaturgo Christopher Marlowe, oficialmente falecido em 1593, ainda estaria vivo graças à condição de vampiro (“vivido” por John Hurt), assim como seremos informados que foi Marlowe quem, de fato, escreveu as peças atribuídas a Shakespeare - em mais uma dessas bobocas investidas contra a autoria do ator-autor de "Hamlet".
Fora deste círculo elitizado no qual Eve (Tilda) lê os clássicos da literatura (nas línguas originais em que foram escritos) e Adam (Hiddelston) compõe música contemporânea (sendo que, no passado, teria sido ele o verdadeiro compositor do Adágio no famoso Quinteto para cordas de Schubert), há também ‘Ava’, irmã de Eve, de aspecto mais jovial, quase-adolescente (Mia Wasikowska) e totalmente “porra-louca”. Portanto, nada benquista pelo melancólico Adam. Quando Ava entra em cena, surge certo grau de conflito que deixa o filme um pouco mais interessante... mas a essa altura da projeção (que vai chegar, sem justificativa para tanto, a 123 minutos), o modo blasé de Jarmusch conduzir seu esgarçado enredo já definiu o resultado como anêmico.
O ótimo elenco, com a melhor oportunidade que Hiddelston já teve para mostrar sua versatilidade, e algumas tiradas de humor - um tanto ralo - não são suficientes para salvar o projeto da falta de originalidade ao investir em piadinhas sobre as lendas que envolvem os (falsos) recursos para afastar vampiros (alho seria inócuo), assim como em outras brincadeiras com o gênero, mas já exploradas em filmes anteriores que tentaram - e conseguiram - inovar o gênero. O que não é o caso desta vez. Se A Dança dos Vampiros, de Polanski, envelheceu no que tinha de irreverente em sua época, este Only lovers left alive (título original) já nasceu com jeito de coisa velha. Ainda mais depois do contundente Deixa ela entrar (2008).
Trinta anos depois de The Hunger (Fome de Viver) ter associado o vampiro contemporâneo ao mundo do rock, Jarmusch repete "inovações" que, pela repetição, já deixaram de ser novidade há “séculos”. Tudo isso para concluir sua fábula (?) com a demonstração de que nosso verniz cultural se quebra quando a necessidade de sobrevivência se impõe. Muito tempo para tão pouco.