Críticas


UMA VIDA COMUM

De: UBERTO PASOLINI
Com: EDDIE MARSAN, JOANNE FROGATT, KAREN DRURY
13.08.2014
Por Luiz Fernando Gallego
A correta narrativa visual privilegia a imagem em planos fixos, fugindo ao melodrama que o tema poderia sugerir e o filme tangencia.

Detentor de quatro prêmios não-oficiais no Festival de Veneza 2013 e de vários outros no circuito dos festivais menos badalados, alguns para o ator Eddie Marsan, o segundo filme dirigido pelo mais frequentemente produtor Uberto Pasolini (apesar do sobrenome, sobrinho de outro cineasta italiano, Luchino Visconti) Uma Vida em Comum, de 2013, nem teria lançamento em salas de cinema cariocas, não fosse a iniciativa do Cine Joia. Surge assim uma boa oportunidade para se conhecer uma realização de tema incomum, ligado ao trabalho do personagem central John May (Marsan).

Aos 44 anos, Mr.May, funcionário público londrino há mais de vinte, cumpre metodicamente a função de tentar descobrir um parente mais próximo (ou não, ou amigos) de pessoas encontradas mortas em suas casas: provavelmente solitárias e talvez sem vínculos. Como ele, aliás.

Caso não encontre ninguém, John May organizará a cerimônia fúnebre de acordo com o indício de religião à qual o morto pertenceria, e muitas vezes será a única pessoa a assistir estas cerimônias, além de ser o único presente nos sepultamentos, em covas “públicas”. Quando os corpos (mais provavelmente os ossos exumados) forem incinerados, ele resistirá a espalhar as cinzas por algum tempo, sempre na expectativa de que possa aparecer algum parente ou amigo do(a) falecido(a).

O psicanalista Heinz Kohut dizia que, assim como nascemos precisando de que alguém nos ampare, ao morrermos também precisaríamos de ter a mão de outra pessoa para segurarmos. Mas como o filme mostra, muitas pessoas morrem absolutamente sós, e o que Mr. May faz, rigorosa e obsessivamente pode ser considerado um ato piedoso - quando piedade é uma coisa bem fora de moda.

Tanto que, em algum momento, o setor onde May trabalha será absorvido por outro: um chefe recente observa que ele demora muito a concluir os procedimentos e – como era de se esperar tal crítica – gasta muito dinheiro com os mortos sem familiares de qualquer tipo. Um último “caso” vai fazer com que May, já por sua conta, proceda como verdadeiro investigador atrás de uma possível filha de um homem cuja vida parece ter sido uma espiral descendente até um fundo de poço: mas entre os pertences do falecido havia um álbum com retratos de uma menina e John May não desiste sem tentar. Muito.

A composição exemplar de Eddie Marsan, visto quase sempre em papéis secundários, é a de um homem tão solitário como aqueles aos quais ele rende uma última homenagem decente, e cujas fotos, encerrado o caso, vão para um álbum particular dele, como se fossem os “seus” mortos, fazendo lembrar o refrão beatle “All the lonely people, where do they all come from?

A correta narrativa de Uberto Pasolini privilegia a imagem central em planos fixos, fugindo ao melodrama que o tema poderia sugerir e que o filme tangencia, evitando-o habilmente (até o desfecho) através da edição “seca” de Tracey Granger (Meninos não choram) e Gavin Buckley.

Bem coadjuvado por Joanne Frogatt (mais conhecida no papel da criada que se casa com o mordomo de Downton Abbey) e por Karen Drury (ótima, em uma única cena), Marsan, minimalista, mostra-se um parceiro ideal para o que o diretor pareceu pretender e atingir.

Não é invasiva a delicada trilha musical de Rachel Portman, esposa do diretor e primeira mulher a receber um Oscar por trilha sonora (Emma, 1996) e também é funcional a fotografia de Stefano Falivene, premiada com um “Globo de Ouro”(italiano) em 2013. Still Life (título original) acompanha seu tema e personagens no formato discreto de um filme que não pretende ser grandioso, mas fiel ao que quis retratar.

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