Primeiro filme de época assinado por James Gray, Era uma vez em Nova York se passa em 1921 com a chegada à América do Norte de duas irmãs polonesas: uma se chama Magda e está tuberculosa – por esse motivo terá que ficar de quarentena na Ilha Ellis, a famosa porta de entrada dos que iam tentar a vida no “novo mundo”; a outra, Ewa (Marion Cotillard), corre o risco de ser logo deportada sob alegação de que o endereço que trazia de tios já residentes em Nova York (para provar que tinham onde morar) seria “inexistente”. Mas havia outro motivo mais grave: ela teria apresentado “comportamento de moral duvidosa” durante a longa viagem da Europa até ali.
Ewa não aparenta tal tipo de conduta, mas sendo considerada sem condições de se sustentar no “sonho americano”, teria mesmo que retornar ao velho continente... não fosse a interferência de Bruno (Joaquin Phoenix) junto ao mesmo guarda que a impediu de passar na imigração. A partir de tal “resgate”, o roteiro do próprio Gray, escrito em parceria com o mesmo Rick Minello de seu filme anterior, reserva uma série de dissabores para Ewa, provavelmente semelhantes aos infortúnios que, no Rio de Janeiro da mesma época, enfrentavam as chamadas “polacas”, imigrantes judias constrangidas à prostituição como único meio de sobrevivência.
Bruno encena um precário espetáculo apenas levemente disfarçado como vaudeville e que serve de chamariz para clientes masculinos, com a finalidade evidente de exibir seus “produtos”. Ali “suas” moças desfilam no palco como tipos exóticos e/ou estrangeiros: “espanholas”, “egípcias”, e até mesmo com vestimenta de “Estátua da Liberdade”, fantasia que - ironicamente - é destinada à tímida Ewa, agora sem nenhuma chance de liberdade para escapar ao que Bruno lhe impôs.
Sim, The Immigrant (título original) é um melodrama que (por acaso?) se passa no mesmo ano em que D.W.Griffith lançou um filme também centrado nas agruras de duas irmãs, ainda que situado na época da Revolução Francesa (Órfãs da Tempestade), dois anos depois de outro melodrama clássico de Griffith, Lírio Partido. Mesmo que tais referências não tenham existido para os roteiristas, o quinto longa de Gray filia-se à tradição dos grandes melodramas hollywoodianos - mas àqueles de um tipo particular que não se deixa levar por derramamentos que cheguem ao dramalhão. Ou seja, os melodramas clássicos e classudos como os que encontramos, por exemplo, na obra de William Wyler: Tarde Demais, Jezebel, e, principalmente, no subestimado Perdição por Amor (Carrie, 1952), extraído do livro de Theodore Dreiser, “Sister Carrie”.
Se em Era uma vez em Nova York a situação de base pode já ter sido bastante explorada (prostituição da heroína como única possibilidade de sobrevivência - e por motivos alheios à sua vontade), seu desenvolvimento, de modo sutil, vai apontar em outro sentido, que é o que parece interessar mais ao cineasta: o da redenção. Em seu filme anterior, aqui intitulado Amantes (título original Two Lovers), Grey havia se detido afetuosamente em alguns personagens de sua etnia judaica; já neste novo filme, ele faz com que o cafetão judeu, Bruno Weiss, vá se confrontar com uma escuta de confissão católica da polonesa Ewa, um dos melhores momentos do filme.
Desenvolvido dentro de um formato tradicional, se Grey exibe algum virtuosismo é o de seguir uma paradoxal (e aparente) simplicidade formal para a narrativa cinematográfica, deixando evidente seu deslumbramento com o rosto de Marion Cotillard, frequentemente exposto em grandes planos na tela larga (o roteiro foi escrito especificamente para ela). O fotógrafo iraniano Daruis Khondji já havia captado o semblante expressivo da atriz em Meia-Noite em Paris, mas desta vez lhe é pedido uma mais intensa e apaixonada proximidade. A fotografia também se mostra extraordinária nos planos em que vemos a cidade daquela época, lembrando os grandes momentos visuais conseguidos por Gordon Willis em O Poderoso Chefão II nas cenas em que De Niro vivia o então jovem Vito Corleone, na mesma época em que se passa este The Immigrant.
Já Joaquin Phoenix, ator–assinatura em quatro dos cinco longas realizados até agora pelo cineasta, surge em desempenho mais contido, parecendo ter que ceder a primazia para sua partner - até que chega sua última cena, oportunidade para mostrar, mais uma vez, o ator excepcional que Phoenix é.
Exibido sem maior repercussão em Cannes 2013, Era uma vez em Nova York pode ter passado desapercebido pela escolha da narrativa desinteressada em brilhos formalistas supérfluos, mantendo o rígido controle do melodrama sem excessos. No entanto, o take final surge praticamente como um díptico de beleza tão acachapante quanto precioso - ainda que mantendo o estilo, em certo sentido low profile, que o diretor imprimiu a esta obra.
O título com que está sendo lançado no Brasil, tradução direta do que foi usado na Itália (C'era una volta a New York), pode induzir o espectador a erro no sentido de esperar outro épico à moda Sergio Leone, quando o mais simples “A Imigrante” seria suficiente. E bem pertinente, já que o roteiro foi desenvolvido a partir do desejo de celebrar o semblante irresistível de Marion Cotillard.