Críticas


MAGIA AO LUAR

De: WOODY ALLEN
Com: COLIN FIRTH, EMMA STONE, EILEEN ATKINS
28.08.2014
Por Luiz Fernando Gallego
Woody Allen discute, com leveza, se a felicidade humana depende de crenças que nos aliviem do contato com a dura realidade.

Em uma assertiva que não faria sucesso em tempos nos quais o hedonismo é a meta, Freud escreveu que aquilo que a psicanálise poderia atingir como meta seria a substituição da infelicidade ampliada na neurose pela infelicidade comum dos menos neuróticos.

Depois de se arriscar – e ter sido bem-sucedido – no que pode ser considerado uma verdadeira “tragicomédia” (Blue Jasmine), Woody Allen retoma o filão de investir em situações mais ligeiras neste Magia ao Luar, repisando algumas de suas obsessões: truques de mágica, psicanálise e/ou psicanalistas, além da eterna discussão sobre a felicidade humana parecer dependente de crenças que nos poupem da realidade - a qual nos relega aos riscos do desamparo... até o amargo fim. Dito assim, o leitor poderia até supor que Allen fez um filme pesado e “de tese”, o que não é absolutamente o caso deste Magic in the Moonlight (título original) que, no entanto não deixa de ter algum parentesco com o mais amargo – e subestimado, até porque vendido indevidamente como “comédia romântica” – Você vai conhecer o homem dos seus sonhos (2010).

Neste filme mais recente, sem amargura, o fã do diretor poderá até curtir as locações e ambientes mais luxuosos de época (anos 1920, outra obsessão como já foi demonstrado em Meia-noite em Paris), fazendo do contato com essa comédia um deleite visual, graças não só à fotografia de Darius Khondji, colaborador de Allen em suas quatro ou cinco últimas realizações, mas também ao desenho de produção e das roupas de época, repetindo colaboradores eficientes e recentes.

E também é frequente nos roteiros de Allen que seus plots possam evocar outras obras, referências às quais ele dá outro desenvolvimento: para ficar no exemplo mais recente, Blue Jasmine é uma evidente paráfrase de “Um Bonde chamado Desejo”, a peça de Tennessee Williams filmada por Elia Kazan em 1950. Assim como Match Point foi uma revisão perversa da “Tragédia Americana” de Theodor Dreiser, livro mais conhecido entre nós através da versão cinematográfica, Um Lugar ao Sol, de George Stevens (1950). Na esfera do cinema mesmo, podemos dizer que A Era do Rádio foi o equivalente de Allen ao Amarcord de Fellini, enquanto Desconstruindo Harry seguia, em clave de comédia, o formato de road movie com flashbacks e sonhos tal como Morangos Silvestres, de seu ídolo Ingmar Bergman.

Em Magia ao Luar, com auxílio precioso de Colin Firth, não é possível deixar de lembrar do personagem do Professor Higgins de Pigmalião, peça de Bernard Shaw, filmada em 1938, mas ainda mais conhecida pela brilhante adaptação musical My Fair Lady levada às telas em 1964. Depois de ver Firth neste papel, fica a hipótese de que uma possível refilmagem do texto de Shaw ou do musical de Lerner e Lowe já tem o ator certo para substituir o “insubstituível” Rex Harrisson. Não que o enredo de Magia ao Luar seja cinderélico como em My Fair Lady: a aproximação vem da irreverência e irritabilidade do personagem de Firth através de sua atuação irrepreensível. Pena que não haja entre ele e Emma Stone uma química maior, não se podendo deixar de pensar que a personagem da protagonista feminina era ideal para antigas musas de filmes bem anteriores do diretor, tal como Mia Farrow ou Diane Keaton, em relação às quais Emma Stone fica a alguns anos-luz, ainda que não derrube o filme. O risco maior vem, surpreendentemente de uma certa prorrogação do timing já bem perto do final que nos pareceu um pouco e desnecessariamente alongado quando o desfecho da situação já havia sido estabelecido - isto, logo em um filme de Allen, sempre tão econômico e direto na narrativa - mas sem chegar a reduzir o prazer de assisti-lo.

Se a alienação das questões trágicas da vida é algo imprescindível ou não à felicidade humana, fica a questão para o foro íntimo de cada um decidir. Mas é bom encontrar diversão inteligente em filmes com este para aliviar a existência de seus pesos - e isso Magia ao luar mostra que é possível.

P.S.: Eileen Atkins tem mais uma participação de peso como a tia do personagem de Firth: entre os dois há o entrosamento de grandes atores.

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Outros comentários
    1916
  • Selma Weissmann
    28.08.2014 às 06:42

    Woody Allen, Collin Firth e a recomendaçção de Luiz Fernando, vamos correndo assistir o filme.
  • 2164
  • Concy Pinto
    01.09.2014 às 20:40

    Meu amado Woody Allen! Quem mais teria a capacidade de fazer pensar sobre assunto tão árido, com leveza e alegria? Quem mais escolheria o ator perfeito para o personagem? Amo os dois, Allen e Firth, e isso me basta. Não deixem de assistir.