Quando Philip Roth pensou em abordar o moralismo americano para com o caso Clinton-Monica Lewinski, como grande escritor que é, nos deu mais um de seus grandes livros: The Human Stain (aqui lançado como “A Marca Humana”, embora o título mais apropriado talvez fosse “a mancha humana”). O filme baseado no romance de Roth foi frustrante, mas o livro é antológico na criação de um enredo central (com algumas igualmente ótimas histórias secundárias) sem que o fato real que o motivou surgisse decalcado na ficção.
Quando Abel Ferrara aborda o caso Dominique Strauss-Kahn, preso em NY por ter atacado sexualmente uma arrumadeira do hotel onde estava hospedado, ele muda o nome do personagem real para Deveraux e se deixa ficar em um registro de feitio naturalista com desconfortável concretude – não apenas, ou nem tanto, pelo que mostra (afinal, foi sua opção por um cansativo "realismo"), mas pela pequena dose de reflexões, sem praticamente nada acrescentar ao que já se sabe e ao que se pode supor sobre o episódio. E nem muito menos se mostra capaz de criar uma ficção que aprofunde os temas que tangencia, especialmente o dinheiro e o poder que ele traz, obviedade que é mostrada superficialmente.
Neste sentido, fica-se perguntando porque não ter tentado um documentário, já que há uma pobreza ficcional - ainda que intencional - condenando a realização de seu projeto a uma repetitiva exposição de cenas “exemplares” sobre um homem com poder econômico e político, mas que pode ser destruído por sua arrogância e compulsão no terreno das relações privadas: as mais íntimas, na medida em que os corpos devem interagir quando em atividade sexual. Mas talvez seja melhor dizer que o corpo de Deveraux é o que "deve" agir, enquanto os corpos das mulheres, corpos dos quais ele usa e abusa, não necessariamente participem da “relação” sem relação - ou "ralação" apenas.
A exploração gráfica do físico deformado e decadente do ator Gerard Depardieu vai além da elogiada “coragem” do ator: é um abuso de Ferrara análogo aos abusos sexuais do personagem retratado, abuso ao qual Depardieu se entrega despudoradamente, fazendo do poderoso pego em flagrante um monstro de fealdade, tal como nas histórias infantis os maus são feiosos e os bons são belos.
Ferrara é famoso por não ser sutil, mas sua já mencionada concretude chega a soar primária neste filme - o que não é novidade em sua carreira feita de pequenos sucessos de escândalo e que mereceu o status de cult para seus fãs. Ele já desperdiçou boas ideias em seu filme mais recentemente exibido comercialmente no Brasil, Maria já há sete anos atrás (https://criticos.com.br/?p=1224). Desta vez, o roteiro dele e de Christ Zois (que já foi seu parceiro em um documentário de 2008, inédito nas telas de cinemas por aqui - como tudo que ele assinou desde Maria) parece nem ter muitas ideias, boas ou ruins. Talvez ruins nesta opção de recriar o caso em formato pseudo-documental, sem quase nada a acrescentar, imaginando a vida hedonista de Deveraux/Dominique antes do escândalo e a relação com sua mulher. Esta é interpretada por Jacqueline Bisset, cuja presença pode ser o único ponto favorável do filme.
As cenas se desenvolvem (?) como se fosse uma encenação de psicodrama ou "recriação" com jeitão de fidelidade às hipóteses de como os fatos teriam acontecido, levando a plateia, mais do que a um tipo de desconforto que seria elogiável em uma obra pretensamente provocadora, ao tédio. E são esticados 125 minutos de duração.
O prólogo com Depardieu comentando porque aceitou o papel de um político (o ator diz que não gosta de políticos), e como pode interpretar um personagem com quem não se identifica, nada acrescenta ao filme nem à carreira do ator que aqui, se expõe muito por tão pouco, com resultado mais questionável do que polêmico.