Um enredo rocambolesco no qual três meninos catadores de lixo, motivados pela noção ética do que é certo, não entregam uma carteira encontrada no lixão a um policial que tem interesses espúrios em recuperá-la. Ao longo do filme, os meninos - absolutamente geniais - decifrarão uma série de pistas crípticas e ambíguas enquanto missionários religiosos católicos (porque nenhum brasileiro certamente procura ajudar nossas populações desfavorecidas) acabarão por fazer a denúncia de corrupção que levará milhares de brasileiros às ruas em junho (!).
Em resumo, vai virar lugar-comum dizer que o título original de um filme jamais foi tão adequado: e Trash é um lixo, sem esperança alguma, não porque mostre policiais corruptos a serviço de políticos corruptos, isso é público e notório, mas porque quer mostrar isso através de um enredo pessimamente desenvolvido em roteiro canhestro, mais furado do que os buracos de asfaltos cariocas.
A direção mostra-se interessada em cenas de ação descabelada com trilha sonora onipresente, sem disfarçar a ruindade, pois até mesmo fazem parte do péssimo resultado geral.
Chega a ser inacreditável que alguém da equipe, de roteirista a diretor, passando por produtores e atores, mesmo que em breve instante de desrazão, tenha acreditado na seriedade desse projeto de “favela-movie”-exploitation.
Cometendo SPOILERS DAQUI PARA A FRENTE sem dó nem piedade, porque, mais do que não recomendar, consideramos que este filme não deva ser minimamente prestigiado: o que é aquela aparição de uma menina (que estaria morta e enterrada na primeira cena) em um cemitério, dias depois de seu pai tê-la abandonado e dito que a encontraria ali? Por que ela prontamente joga uma pedra na cabeça do policial corrupto? Nem o mais generoso deus ex machina aceitaria fazer tal aparição. O espectador chega a supor que a guria seria uma alucinação de um dos meninos. Ou até mesmo uma alma penada, o que até seria menos ruim para uma história tão descerebrada e sem salvação a esta altura do filme.
E o que aconteceu com a voluntária que foi presa e teve seu passaporte levado? Como ela volta à favela numa boa, inteirinha, com a cara lavada e arrumadinha?
O filme ofende a inteligência do espectador com seu resultado bisonho, mais do que bizarro. E vergonhoso.
É constrangedor ver três dos nossos melhores atores do naipe masculino, Wagner Moura, Selton Mello e Nelson Xavier participando deste samba do roteirista doido. E é para se lamentar que Rooney Mara, ainda tão nova, e Martin Sheen (de Apocalypse Now) comprometam suas carreiras, futuras e pretéritas, em um dos piores filmes que já foram feitos.
Lamentável que parte da plateia (em sessão para a crítica) tenha meio que rido satisfeita à menção aos beneficiários corruptos de grana suja quando é citada uma tal “igreja universal”. Será que as pessoas se satisfazem com essa pretensa denúncia, vazia e inócua?(Para não lembrar que entidades deste tipo não precisam de dinheiro mais corrupto ainda do que já conseguem: bilhõe$ - com os trocadinhos de crentes ingênuos aos milhares).
Por fim, é vergonhoso que o Festival do Rio 2014 tenha escolhido tamanha porcaria como filme para sua sessão de encerramento.
P.S.: Quando denunciamos a falência do diretor Stephen Daldry quando cometeu O Leitor depois de duas incursões interessantes (Billy Elliott e As Horas), muita gente achou que era um exagero do crítico (ver em https://criticos.com.br/?p=1683&cat=1). E agora?