Críticas


MÃO NA LUVA

De: ROBERTO BOMTEMPO e JOSÉ JOFFILY
Com: ROBERTO BOMTEMPO, MIRIAM FREELAND
08.11.2014
Por Luiz Fernando Gallego
Um tenso dueto dos personagens e do casal de atores que lhes dão vida.

O Cinema já “discutiu a relação” dos casais em inúmeros filmes. Um dos momentos mais famosos aconteceu entre os personagens de Tom Cruise e Nicole Kidman em uma cena de De Olhos Bem Fechados; mas sabe-se lá o que eles mesmo discutiram longe das câmeras quando, não muito tempo depois das filmagens, se separaram. Ao procurar um roteirista para o que seria sua obra final, Kubrick escolheu Frederic Raphael que, 32 anos antes, colocara Audrey Hepburn e Albert Finney fazendo o balanço de suas vidas em comum ao longo de uma viagem de carro com direito a flashbacks de deslocamentos também no tempo para mostrar que nem tudo havia sido sempre assim: em 1968 Um caminho para Dois, dirigido por Stanley Donen, foi chamado de uma versão menos amarga de “Quem tem medo de Virginia Woolf?”, famosa peça de Edward Albee que Mike Nichols levou às telas em 1966 – o mesmo ano em que nosso Oduvaldo Vianna Filho, o “Vianinha” teria escrito (mas mantido na gaveta) a peça que chamou de “Mão na Luva”, agora levada às telas.

Com seu nome associado a espetáculos engajados, antes e - mais ainda - depois do golpe de 1964, jamais saberemos exatamente o porquê do autor de “Rasga Coração” não ter encenado este texto. Ainda com outro título (“Corpo a Corpo” – que posteriormente seria dado a outra peça de Vianinha) sua montagem chegou a ser anunciada em um programa do Teatro Opinião quando “Liberdade, Liberdade” esteva em cartaz. Teria havido uma exigência (do próprio Vianinha? ou de seus parceiros do grupo Opinião?) no sentido de se restringir a peças políticas, consideradas mais importantes para o momento em que o país vivia? Ou o texto revelaria um aspecto demasiadamente catártico-confessional sobre um relacionamento íntimo pelo qual ele mesmo havia passado? Muito apontam que, mesmo sem ser um retrato exato do que Vianinha viveu com a atriz Odete Lara, a data de conclusão do texto datilografado coincide com o final do relacionamento entre eles.

A primeira encenação teatral, dirigida por Aderbal Freire-Filho em 1984 ficou marcada na lembrança dos que puderam vê-la, sobretudo pelos desempenhos viscerais de Marco Nanini e Juliana Carneiro da Cunha. Mas, mesmo dezoito anos depois de escrita, para os que viveram 1964 e suas angústias, as referências políticas do texto que perpassavam a vida do casal em crise ainda eram de algum modo facilmente evocáveis. Já em 2013, quando roteirizado por Susana Schild para ser co-dirigido por Roberto Bomtempo e José Joffily, a opção foi a de não ter marcada a época nem as alusões de Vianinha aos tempos sombrios - ainda que subjacentes à questão central do casal.

Deste modo, o filme Mão na Luva pode ser visto como obra relativamente autônoma, ainda que se beneficie do recurso “cinematográfico” dos muitos flashbacks existentes no texto original. Seguindo a vertente mais realista do cinema em relação ao artifício inerente à representação teatral, as alusões ao passado de Lúcio e Sílvia (o próprio Bomtempo e Miriam Freeland) trazem à cena personagens secundários apenas mencionados na peça-dueto. Mas o melhor do filme não deixa de ser mesmo o dueto dos personagens. E dos atores que lhes dão vida. A intimidade do casal Roberto-Miriam em tantos espetáculos (aliada ao fato de serem casados fora dos palcos) não parece ter interferido de modo negativo nas cenas de confronto mais intenso quando chegam à violência física, sendo mais provável que o profissionalismo e amor pelo texto é que tenham servido de combustível para os melhores resultados dessa empreitada.

O título vem do modo como ‘Lúcio’ se refere a ‘Silvia’, deixando uma certa ambiguidade quanto ao que pode ser entendido como uma inversão entre os tradicionais papéis “ativos” dos machos em relação ao papel “passivo” (?) das fêmeas. Miriam, de certo modo, parece aproveitar essa relativa supremacia de sua ‘Silvia’: a que toma a iniciativa de propor a separação e que se mostra mais reflexiva e psicologicamente mais firme do que o falante ‘Lúcio’ que sempre adia decisões que tragam mudanças significativas na vida, especialmente no terreno profissional. E existencial.

Bomtempo-ator também deve ter se beneficiado da co-direção de José Joffily por quem já havia sido dirigido na versão de 2002 de “Dois perdidos numa noite suja”. O apartamento onde essa verdadeira "noite de Walpurgis” (título do segundo ato da peça de Albee mencionada antes) se desenrola é quase um outro personagem bem utilizado nos enquadramentos e em alguns planos-sequência.

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário