Fala Tu ilustra bem a tese de que, em matéria de documentários, “menos” muitas vezes é “mais”. Se houvessem persistido no projeto de documentar amplamente a cena rapper carioca, Guilherme Coelho e Nathaniel Leclery talvez se saíssem com uma mera, dispersiva reportagem de televisão. Mas ao fechar o zipper em torno de três personagens apenas, fizeram um documentário capaz de manter o espectador ligado nas questões do todo.
Macarrão, apontador de bicho, Toghum, ex-locutor de supermercado, e Combatente, opradora de telemarketing, usam a palavra fácil que o rap exige para contar o mundo como vêem. Um mundo de periferia, que se equilibra precariamente entre o bem e o mal, o emprego e o desemprego, a arte e a raiva. São jovens que cultivam o amor próprio como resistência à pobreza e ao anonimato. Enquanto eles falam e a câmera vasculha casualmente o seu habitat, cintilam grandes temas como religião, família, violência e auto-imagem. O documentário não é sobre tudo isso, mas acaba sendo.
Ainda assim, é preciso não perder de vista que se trata de um filme pequeno, de ambições modestas. Não fossem alguns fatos trágicos que sucederam num longo intervalo entre filmagens, Fala Tu não teria o pathos que adquire nos seus minutos finais. Seria apenas o perfil esperto e descompromissado de três artistas amadores flagrados em momentos de suspensão em suas vidas.
Macarrão tem colorido especial no manejo da prosódia, como ao explicar o que fazia no momento: “Tamo fazendo uma parada de filmagem de bagulho de rap”. Já Toghum e Combatente sustentam um interesse apenas relativo, em função de suas práticas pessoais e relações familiares. Não há qualquer fator que eleve o enfoque desse trio à dimensão de um documentário mais relevante: nem o acompanhamento de um processo, nem uma intervenção sobre o seu modo de ser ou de agir. Os procedimentos da direção titubeiam entre o cinema direto (câmera “invisível”) e o cinema verdade (depoimentos e entrevistas), com pitadas de documentário reflexivo (os personagens falam sobre o filme), deixando entrever uma sucessão de sacadas intuitivas. Em si, isso não é ruim, a menos quando está disfarçando a ausência de um método.
Fala Tu tem a seu favor a simpatia do projeto e a virtude da concisão. Contra si, o maior risco que tem é o de ser supervalorizado.
#FALA TU
Brasil, 2003
Direção: GUILHERME COELHO
Argumento: NATHANIEL LECLERY
Fotografia: ALBERTO BELLEZIA
Montagem: MARCIA WATZL
Som Direto: LEANDRO LIMA
Produção: MAURICIO ANDRADE RAMOS, MANO TELES, GUILHERME COELHO, NATHANIEL LECLERY
Duração: 74 min.