Críticas


HOMENS, MULHERES E FILHOS

De: JASON REITMAN
Com: ADAM SANDLER, ANSEL ELGORT, JENNIFER GARNER, ROSEMARIE DeWITT
04.12.2014
Por Luiz Fernando Gallego
Reducionista acusação à internet como (nova) culpada para antigas (e atrapalhadas) escolhas humanas.

A sinopse da distribuidora diz que o filme é sobre "um grupo de adolescentes e seus pais que tentam lidar com as mudanças sociais que a internet impôs a seus relacionamentos, comunicações e vidas amorosas. Um estudo (SIC) sobre a maneira como as famílias têm adequado suas estratégias educacionais na era da comunicação virtual instantânea". Para tal "estudo" foram escalados vários tipos mais ou menos "comuns":

1)Tem a mãe que persegue filha adolescente pelo facebook, celular e por onde mais a mocinha “anda” (ou navega): lê mensagens que chegam antes da filha ter acesso e deleta o que acha inadequado. Para essa mãe tudo é perigoso, nada é divino-maravilhoso. Uma personalidade controladora obsessiva ensandecida com a desculpa de que “só quer o bem” da cria.

2)Tem a mãe que alimenta sonhos de fama & celebridade dos dotes físicos da filha adolescente: fotos na internet, blogs e sites da mocinha em poses cada vez mais sensuais. Sem autocrítica alguma, a mãe é mais adolescente sem-noção do que a própria filha bonitinha (e fazendo vestibular para ordinária em qualquer reality show de TV).

3)Teve mãe que nem aparece no filme porque largou marido e filho, foi pra Califórnia (literalmente), casou de novo, mudou e não deixou endereço. Mas em tempos de vidas públicas via internet , o filho descobre os passos dela e fica arrasado. Também via internet, a partir de leituras superficiais sobre a imutabilidade das coisas ao longo de séculos e séculos (“Gandhi e Hitler eram feitos das mesmas moléculas”-sic), deduz que nada faz sentido na vida. Nem ser um talentoso desportista. Deprimido, abandona o time de futebol (americano) do colégio, onde parece que era ótimo jogador transformando-se em objeto de ódio dos colegas, vergonha para o pai, preocupação para os professores - e diretores que chegam a lhe propor menos tarefas escolares se aceitar voltar para o time.

Resultados esperados: I) Este rapaz, deprimido e desvitalizado, vai - naturalmente - se envolver com a desvitalizada e coagida filha da mãe controladora, mãe que vai interferir enormemente no que poderia ser uma relação menos doentia entre esses jovens neuróticos - a ponto de ser criada uma situação do tipo “romeu&julieta” em pleno século XXI.

II) Já a mocinha exibida vai ficar com um garotão que ainda vive de sexo só pela masturbação estimulada pela internet, o mesmo meio de excitação usado por seu pai cuja vida sexual com a esposa está mais devagar do que tartaruga perneta preguiçosa. Daí para o pai buscar relacionamentos casuais através de sites de encontros temos outro "resultado esperado”. Descobrirá que sua esposa e dedicada mãe de família faz o mesmo.

III) Para completar, uma menina anoréxica/bulímica (bulimia orientada pela internet, claro: a "maldição" que o filme quer denunciar) escolhe transar pela primeira vez como se fosse uma tarefa a mais, uma espécie de dever de casa extracurricular, com um rapaz mais velho que se interessa por ela menos do que por sua guitarra, e que faz sexo com ela quase que por obrigação, entediado.

"Evoluções": As situações enfocadas no mais recente filme assinado por Jason Reitman são mais do que plausíveis, mas o discurso estabelecido pela dramaturgia do roteiro e do filme tem um ranço moralista acentuado que só se agrava com a inserção de uma péssima narrativa em off feita pela habitualmente ótima Emma Thompson, mas que desta vez naufraga e colabora para o naufrágio. Como álibi, a atriz narradora poderia alegar o texto em si, de uma filosofada tão banal quanto pretensiosa, falando de nosso planetinha como um cisco no universo e blábláblá...nada necessariamente conectado com os (melo)dramas burgueses exibidos.

A culpa de tudo, parece dizer o enredo apresentado, é da internet! Como se adultério nunca tivesse sido a “saída” (bem ou mal sucedida) para casamentos amortecidos; como se “romeus e julietas” nunca tivessem existido; como se supermães doentias e controladoras nunca tivessem atormentado as vidas de seus filhos e filhas; como se nunca dantes houvesse, ainda que sem internet, pornografia excitante para insatisfeitos sexuais buscarem satisfação compensatória para suas frustrações; como se não existissem em passado nem tão distante “mães de miss” (ou de starlets de cinema ou TV, ou de pretensas top models) tentando viver de modo vicariante o acalentado sucesso das filhas bonitinhas, sucesso narcísico que elas não viveram... E hoje em dia também já sabemos que muita gente que morria “romanticamente” por deixar de se alimentar, fosse por amor frustrado ou qualquer outro motivo, já eram anoréxicos - sem que a doença fosse descrita com tal nome. (No antigo romance “O Morro dos Ventos Uivantes” os personagens centrais param de se alimentar e morrem - assim como a autora do livro, Emily Brontë, também o fez, um prato (des)feito para doenças secundárias à desnutrição e baixa de imunidade, como tuberculose e similares, tão mais mortais na época).

O rapaz que abandona o time, para padrões americanos, é visto como um verdadeiro “traidor” e passa a sofrer bullying. Essa liberdade de dizer "não" a participar de um esporte que funciona como identidade nacional (ainda que o "não" seja por motivos questionáveis, como, no caso, um sintoma a mais de estado depressivo) mereceria um roteiro por si só - mas não deste tipo que se contenta com culpados fáceis (a tecnologia, a internet) deixando de lado o óbvio: o que é mostrado, em essência, são atrapalhadas opções e escolhas humanas de sempre. Demasiadamente humanas.

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Outros comentários
    3753
  • Cláudia
    04.12.2014 às 20:18

    "Foi pra California" hahahaha muito bom!
  • 3758
  • AL Souzza
    27.12.2014 às 13:56

    Foi direto ao ponto!
  • 4046
  • isabelly
    07.02.2015 às 11:20

    ser controlada pelos pais não e bom .. amei o filme muito bom também tem o gatinho do ansel elgort ..