Na tradição dos thrillers políticos dos anos 1970 representada por títulos como Os três dias do Condor, A Trama (The Parallax View), Klute - e especialmente Todos os homens do presidente, este O MENSAGEIRO reúne jornalismo investigativo a meandros obscuros e escusos do poder. Inspirado em fatos reais, tem como resumo de sua história a alusão a "realidades por demais verdadeiras” que, pelo excesso, incomodam demais - e a muita gente importante.
Na primeira metade, o ritmo é tenso e o aspecto jornalístico predomina com suas tão excitantes quanto amargas revelações; já a segunda parte enfoca mais a vida pessoal do repórter Gary Webb com as repercussões sobre sua vida familiar a partir do que ele revelou. Aqui, o ritmo cinematográfico fica menos acelerado embora seja - talvez - a parte mais importante que o roteiro quis destacar como sugere o título original, Kill the Messenger - que se refere ao que sabemos sobre práticas ancestrais relativas aos portadores de más notícias para os monarcas de então. Já o título brasileiro, O mensageiro (e deve ser o enésimo filme que recebe esse título entre nós) não diz nada a respeito do enredo.
Mesmo que alguns espectadores associem os fatos retratados com os eventos reais divulgados na mídia há mais de uma década e possam lembrar-se do que trata o filme, dizer pouco sobre o que eventualmente o leitor vai ver é prudente para que possam usufruir este bom exemplo de como um roteiro interessante e bem costurado (do quase estreante Peter Landesman, ele mesmo um jornalista investigativo e também roteirista de JFK, a historia não contada), mesmo recorrendo a alguns clichês do gênero - e há também clichês na direção de Michael Cuesta em formato tradicional - pode render um bom filme. O “tradicional” no caso não quer dizer que não haja funcionalidade nas escolhas de enquadramentos que conferem intensidade às imagens e ao que elas representam, assim como é bastante eficiente a hábil edição de Brain A. Kates (de O Homem da Máfia, 2012), especialmente notável quando são exibidos os episódios mais documentais.
Para alguns o filme parecerá torcer muito a favor de Gary Webb ao minimizar - sem omitir - suas falhas de documentação e comprovação do que descobriu, por mais que a veracidade do que revelou pareça se impor à mera desconfiança e vontade de que não fosse uma realidade “real demais“ e tão incômoda. Essa adesão do filme ao que Webb denunciou fica evidente na participação de atores que geralmente só aceitam papéis com maior tempo em cena, mas que aqui surgem em (ótimas) participações episódicas, como Andy Garcia, Michael Sheen e Ray Liotta. No elenco central Jeremy Renner serve bem ao papel principal, sua melhor interpretação desde Guerra ao Terror, e Rosemarie DeWitt, como sua esposa, desenvolve ótima química com ele. Seus superiores no jornal em que trabalham, Mary Elizabeth Winstead e Oliver Platt, são coadjuvantes de luxo, e Paz Veja está impagável em pequena aparição caricatural.
Talvez desta vez Sean Bobbitt seja lembrado pelas premiações que já merecia mas nem sempre recebeu pela fotografia de Shame, Hunger, 12 anos de escravidão e O lugar onde tudo termina, nos quais teve efetiva e enriquecedora colaboração para o resultado final destes filmes - o que se repete neste Kill the Messenger.