Críticas


BENJAMIM

De: MONIQUE GARDENBERG
Com: PAULO JOSÉ, CLÉO PIRES, DANTON MELLO, CHICO DIAZ
08.04.2004
Por Marcelo Moutinho
POSSIBILIDADES DESPERDIÇADAS

Quando há quase dez anos li Benjamim, não poderia imaginar que o romance de Chico Buarque um dia chegaria às telas de cinema. Repleto das usuais digressões bem ao estilo do autor, o livro contém inúmeras tramas paralelas à trajetória dos protagonistas, o que já de início ensejaria complicações na adaptação para a película. Pois bem: a diretora Monique Gardenberg, que estreara com o fraco Jenipapo em 1996, dispôs-se a tal missão. Curiosamente, a fidelidade à essência do texto literário acabou manifesta também no resultado da transposição: o filme é tão irregular quanto a obra original.



Na projeção, assim como no livro, acompanhamos a história de Benjamim Zambraia (Paulo José na velhice, Danton Melo na juventude), modelo fotográfico que vive atormentado por fantasmas do passado, acima de todos o caso de amor que tivera, nos anos 60, com Castana Beatriz (Cleo Pires), colega de profissão e filha de uma abastada família. Certo dia, ao deparar-se com a corretora de imóveis Ariela Masé (Cleo Pires novamente), nota a extrema semelhança entre a jovem e Castana. Num misto de fascínio e perturbação, tentará travar contato com ela e acabará envolvido numa teia cujo desvelo ganha contornos trágicos.



O fulcro central da narrativa – a obsessão de Benjamim pela figura de Castana, renovada na presença de Ariela – é delineado à perfeição pela diretora. Gardenberg consegue transmitir eficazmente a constante alternância entre presente e passado, sublinhada pela fotografia expressionista de Marcelo Durst – que hipersatura as imagens pretéritas - e pela eficiente montagem alternando cortes abruptos e rimas visuais que ligam não só tempos, mas também espaços. Outro acerto é a abordagem do passado idílico por intermédio de câmera lenta e das canções muito bem selecionadas entre o repertório da época, que irrompem nos momentos-chave, reforçando a idéia de que o protagonista tem a memória prisioneira de panoramas “ideais”. Outros dispositivos não funcionam tão bem, caso das imagens fixas imitando fotografias que ganham movimento.



Entre os atores, os destaques ficam com um denso Paulo José, no tom exato entre o solitário angustiado e o dândi demodê, e Cléo Pires, cuja sensualidade é ressaltada em planos de detalhe (lábios, pés, umbigo) quase fetichistas. Elogios merecem também a adequada direção de arte e a trilha sonora, que multiplica as dimensões de seqüências como a que Benjamim revê suas fotos antigas ao som de “Ne me quitte pas” – um instante particularmente iluminado de Paulo José. Por que então, apesar de tantos pontos positivos, Benjamim não decola?



Pela mesma razão que o romance de Chico nunca alcança o máximo de suas possibilidades. É frustrante para o espectador perceber que apesar de revestido de belo tratamento visual e do enredo forte, em poucos momentos (como a já citada cena de Benjamim no armário) o filme consegue libertar-se do artificialismo. A distribuição de roupas aos mendigos, a breve dança no calçadão da orla após o encontro com Ariela... Situações que se insinuavam capazes de provocar explosões de lirismo soam apenas corretas. Cerébro demais para pouco coração.



Se permanecesse concentrado no tormento do protagonista com seu aniquilamento e a frágil condição que vislumbra de preenchê-lo com Ariela, o filme talvez se transformasse numa pequenina jóia existencialista sobre a dor da perda. No entanto, ao não resistir à ânsia de justificar, explicar demasiadamente tal tormento, Benjamim recai num problema de origem já evidente no livro, e que na adaptação agrava-se pela necessidade (compreensível) de “secar” a história. As analogias desenhadas pelo escritor entre as forças de repressão militares e o esquadrão da morte, por exemplo, parecem fora de esquadro na tela. Da mesma forma, a conexão entre personagens principais e periféricos algumas vezes soa forçada, o que fica patente no papel de Alyandro (Chico Diaz), político que se aproxima de Ariela e cuja presença na trama não fica clara em nenhum momento – serve, involuntariamente, apenas para ilustrar mais um infeliz capítulo do inferno astral enfrentado pelo cantor Zeca Pagodinho, coadjuvante de um patético comício.



Uma pena que o promissor e vertiginoso caleidoscópio insinuado logo no começo, a admirável direção de atores e de fotografia, tudo vá se perdendo à medida que a projeção transcorre, culminando na seqüência final, constrangedora ao grau de fazer esvaírem-se algumas das qualidades do filme. Que, não obstante seus pontos baixos, representa um passo à frente na carreira de Gardenberg com relação a Jenipapo. E que, entre seus pontos altos, apresentou-nos a graça misteriosa de Cléo Pires.



#BENJAMIM

BRASIL, 2003

Direção: MONIQUE GARDENBERG

Roteiro: MONIQUE GARDENBERG, JORGE FURTADO, GLÊNIO PÓVOAS (baseado no romance homônimo de Chico Buarque)

Produção: PAULA LAVIGNE, AUGUSTO CASÉ

Direção de fotografia: MARCELO DURST

Direção de arte: MARCOS FLAKSMAN

Montagem: JOÃO PAULO CARVALHO

Som direto: JORGE SALDANHA

Música original: ARNALDO ANTUNES, CHICO NEVES

Direção musical: MONIQUE GARDENBERG

Elenco: PAULO JOSÉ, CLÉO PIRES, DANTON MELLO, CHICO DIAZ, NELSON XAVIER, GUILHERME LEME, RODOLFO BOTINO, ERNESTO PICCOLO, MAURO MENDONÇA, MIGUEL LUNARDI, PABLO PADILHA, MICAELA GÓES, DADÁ MAIA

Duração:110 min

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