Críticas


LEVIATÃ

De: ANDREY ZVYAGINTSEV
Com: ALEKSEY SEREBRYAKOV, ROMAN MADYANOV, ELENA LYADOV, VLADIMIR VDOVICHENKOV.
17.01.2015
Por Luiz Fernando Gallego
Regras do jogo dramatúrgico estabelecidas para o previsível resultado final, ainda que com justa indignação.

Leviatã poderia ser visto como um belo filme do ponto de vista de sua fotografia nítida e estetizante, enriquecido por desempenhos afiadíssimos dos atores, assim como por sua organização narrativa, pausada e didática, levando ao que deseja demonstrar. Por outro lado, em muitos desses mesmos aspectos encontramos seus maiores e insuperáveis problemas: assim como o mesquinho, medíocre – mas poderoso - prefeito (Roman Madyanov) quer destruir a casa de Kolya (Aleksey Serebryakov) por interesses pessoais nada comunitários, o diretor Andrey Zvyagintsev quer mostrar, sem deixar nenhuma margem a qualquer dúvida, que é contrário aos mecanismos corruptos que parecem dominar a Rússia de Putin. Isto, através de um microcosmo cujas pedras do tabuleiro foram previamente marcadas e cujas regras do jogo dramatúrgico foram estabelecidas para o resultado final do tipo “como queríamos demonstrar”, clímax de um teorema de óbvia resolução, fácil de ser decifrado sem esforço pela plateia e com excedente de proselitismo - ainda que sua tautológica mensagem traga justa indignação contra tirania & corrupção de mãos dadas contra o bem comum (e contra os indivíduos que se encontram fora da esfera do poder).

O filme tenta dar conta do mal em estado dominante tal como na palavra do título, metáfora explícita, bíblica e hobbesiana, não só pelo significado que o termo conota, mas também pelas imagens recorrentes de podridão que se insinuam em meio à beleza natural, tal como o insistente esqueleto de baleia, utilizado até mesmo no cartaz do filme cuja metáfora visual é reiterada a cada grande passo dado pelo enredo na direção do que Zvyagintsev quer que entendamos, nem precisando desenhar de tão pleonástico que é o seu roteiro.

Surpreende que o cineasta tenha deixado de lado a ambiguidade que fez tão bem ao seu filme anterior, Elena (2011), que elogiamos durante o Festival do Rio 2012 (https://criticos.com.br/?p=2426). Em vez de demonstrar a corrupção que pode existir em todos, inclusive nos mais “desprotegidos” em situação de perda dos valores morais, em Leviatã ele prefere recorrer ao maniqueísmo mais tosco, colocando de um lado o muito-mau-prefeito-Leviatã contra o homem-comum-de-bem-Kolya, ainda que procure mitigar a quase caricatura dos tipos dando traços explosivos ao comportamento de Kolya e, infelizmente, de modo pouco feliz dramaturgicamente, quando relativiza os que estão ao lado de Kolya - como na mal desenvolvida situação estabelecida entre o amigo-advogado de Moscou, Dmitriy (Vladimir Vdovichenkov, que esteve em 360, de Fernando Meirelles), com Lylia, a mulher de Kolya (Elena Lyadova). Ou na atitude de uma amiga de Lylia pensando mal e injustamente de Kolya já perto do previsível desfecho. Mas quem evita de fato que os personagens caiam em estereótipos grosseiros são os atores já mencionados, com destaque para o prefeito vivido por Madyanov, ator que constrói seu vilão em chave naturalista, incorporando um aspecto mais que medíocre - algo equivalente ao de nossos políticos do mais “baixo clero”.

Falando em clero, o roteiro - do próprio cineasta com seu colaborador em Elena, Oleg Negin – também atira na direção do poder religioso aliado ao poder político na cena em que se dá o diálogo de um padre com o prefeito, durante o qual nada é dito explicitamente, mas o recado é dado por alusões a valores religiosos que “justificam” ações destrutivas (como a de fundamentalistas de qualquer credo; no caso, o credo dos que já estão no poder absoluto).

As inúmeras premiações de Leviatã fora da Rússia (cada vez mais forte candidato ao 'Oscar' de filme em língua não-inglesa) nos parecem mais ligadas à sua óbvia metáfora contra Putin e a Rússia atual do que às suas qualidades, mais artesanais do que realmente artísticas. Chega a ser tedioso o contraponto visual insistente das imagens alternadas entre a bela e pura natureza com outras de degradação e podridão - embaladas por deslocada trilha musical extraída de Phlip Glass (uma obsessão do diretor que já havia usado o mesmo compositor de modo totalmente inadequado no mais naturalista Elena). Essa fixação em mostrar a natureza pura e bela, mas envolvendo e sendo corrompida pelo mal que nem mais se esconde nos corações demasiadamente humanos começa a enfraquecer fortemente a carreira do diretor, já que ele se utilizara deste contraponto em O Retorno (2003) e também (pelo que consta nas sinopses) no inédito no Brasil Izgnanie (a.k.a. The Banishment, 2007).

O que Leviatã pretende, dezenas de filmes de forte viés político do cinema brasileiro e italiano dos anos 1960 e ’70 já fizeram melhor, ainda que nem sempre com os mesmos recursos enfeitados de fotografia e com melodias envolventes. Basta lembrar alguns filmes do recentemente falecido Francesco Rosi.

Filmes de tese caminham na corda bamba entre o proselitismo óbvio e o recado criativo, sendo que muitos conseguem naõ derrapar. As ideias transmitidas por uma ficção nunca impediram Brecht ou/e brechtianos, como Joseph Losey, de serem sutis - o que, decidiamente, não é o forte de Zvyagintsev com os 140 alongados minutos desta produção para dizer o que já foi dito tantas e em melhores vezes sobre podres poderes corruptos. E, por favor, pela narrativa pausada deste diretor temos lido equivocadas comparações com a obra de Tarkovski, uma ofensa à memória do falecido “escultor do tempo” que jamais incorreu em obviedades previsíveis desde a primeira meia hora como se dá neste superestimado Leviatã.

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Outros comentários
    4045
  • Antonio
    07.02.2015 às 10:19

    Muito bom! Assusta como esse filme tem sido apreciado pela crítica, sendo que não me tocou nem um pouco, justamente por ter abordagem batidíssima no cinema mundial. Saí do cinema sem entender o porquê disso tudo.