Críticas


FOXCATCHER: UMA HISTÓRIA QUE CHOCOU O MUNDO

De: BENNETT MILLER
Com: CHANNING TATUM, STEVE CARELL, MARK RUFFALO, VANESSA REDGRAVE
22.01.2015
Por Luiz Fernando Gallego
Um drama faustiano na esfera da luta olímpica.

Os temas dos mitos e das grandes obras de arte ultrapassam fronteiras e épocas por tratarem de questões inerentes ao ser humano. Foxcatcher (título original), a princípio, pode parecer que tem como assunto atletas e treinadores de luta olímpica, quando na verdade quase tudo se resume a mais uma versão do mito de “Fausto”, mostrando como homens comuns, até mesmo simplórios, podem ser desviados, parcial ou totalmente, de metas que tinham bem estabelecidas, pela sedução mefistofélica de alguma forma de maior poder.

Mesmo detentor de uma medalha de ouro em Olimpíada, Mark Schultz tem sua atenção desviada pelo discurso onipotente (e com fortes traços de patriotada fascistoide) de um milionário que lhe promete mundos e fundos, cobrando-lhe também resultados ainda mais espetaculares (que Mark passa a almejar). O atleta deixa de treinar com seu irmão mais velho, Dave (que em princípio não aceita participar da equipe do milionário John du Pont), e vai integrar o grupo chamado "Foxcatcher", mesmo nome da propriedade de Du Pont. Paradoxalmente, Du Pont vai propiciar paraísos artificiais a Mark, o que obviamente reduz seu rendimento como atleta. Pela atração financeira ou para tentar retificar a carreira do irmão mais novo, Dave também vai aderir ao projeto Foxcatcher, ainda que tentando não ficar tão submisso aos caprichos e inadequações de Du Pont.

Trata-se de mais uma história real que o cineasta Bennett Miller (de “Capote”) escolheu para filmar, conseguindo, talvez, o seu melhor trabalho, premiado em Cannes 2014 como melhor diretor. Com um roteiro bem estruturado e desenvolvido paulatinamente para que o espectador acompanhe a trajetória do drama que vai se desenvolvendo aos poucos, Miller constrói uma narrativa visual que propicia reflexão, sem cair jamais em excessivo distanciamento emocional - o que é favorecido pelos ótimos desempenhos do trio de atores masculinos (e breves participações de Sienna Miller e de Vanessa Redgrave - esta, como sempre, uma presença marcante apesar de aparecer em poucas cenas).

Channing Tatum, habitualmente um ator limitado, consegue aqui sua melhor intepretação como Mark: além de ter o físico adequado, Tatum transmite a dose certa de ingenuidade inerente ao seu personagem, caracterizado como alguém de alcance um tanto limitado. Mark Ruffalo, por outro lado, é quase sempre um ator - no mínimo - correto e vive com sutileza necessária a atitude protetora de Dave em relação ao caçula e à sua família. A maior surpresa fica por conta de Steve Carell numa composição de tipo inteiramente diverso daqueles aos quais habituou as plateias: praticamente irreconhecível debaixo de pesada maquilagem (indicada ao Oscar), o ator transmite uma dose de inquietação crescente na megalomania do personagem, cujo irrealismo é tamponado pelo poder financeiro que transforma seus menores caprichos em realidades, ainda que forjadas.

Se elogiamos a estrutura do roteiro, apontamos, por outro lado uma omissão mais clara quanto à sexualidade dos personagens: se du Pont pode até parece assexuado, uma breve cena de luta com Mark deixa o espectador intrigado quanto à possibilidade de estar havendo uma satisfação que extrapola o prazer da luta propriamente dita; assim como há omissão sobre como tantos jovens atletas ficavam em regime de concentração esportiva - ainda que com brechas para bebidas alcoólicas e outras drogas mais, sem que haja menção à vida sexual que seria de se esperar em meio a tanta testosterona. Não é o foco do filme, pode-se argumentar, mas em um desenvolvimento tão detalhado em tantos outros aspectos e cuja projeção ultrapassa um pouco a marca dos 120 minutos, algo poderia ficar mais esclarecido para que outras hipóteses não ficassem no ar; por exemplo, face à intimidade com formato “pai e filho” que em algum momento du Pont estabelece com Mark. Feita a ressalva, entretanto, enfatizamos que isto não prejudica os tantos outros aspectos positivos da exposição cinematográfica do drama faustiano que os dois irmãos Schultz viveram. Lembrando, como dizia o velho Freud, que a sexualidade pode estar na origem dos mais variados comportamentos, aparentemente nada explicitamente sexuais (isto é, envolvendo genitais). Afinal, o que se passa entre os três personagens envolve as necessidades "fálicas" de afirmação de du Pont, muita intimidade física (nas lutas), sedução, submissão, rejeição e ciúmes. Precisaria mesmo ser mais "explícito"?

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Outros comentários
    3949
  • marcia cavendish wanderley
    26.01.2015 às 09:38

    Concordo quase inteiramente com a análise pois acho que o filme ganha em força ao deixar semi submersas a verdadeiras pulsões que orientam os comportamentos dos personagens ao encenarem esse quase explicito drama edipiano . Deixa assim espaço aos espectadores para construírem suas próprias leituras do texto filme