Críticas


BIRDMAN

De: ALEJANDRO GONZÁLEZ IÑÁRRITU
Com: MICHAEL KEATON, EDWARD NORTON, EMMA STONE, AMY RIAN
29.01.2015
Por Luiz Fernando Gallego
Iñárritu filma, mais do que para dizer algo com consistência, visando obter algum “efeito”.

Para dar um verniz de "filme de arte" a Birdman (título original), o diretor Alejandro González Iñaárritu recorreu ao fotógrafo Emmanuel Lubezki (dos últimos filmes de Terence Malik, mas também de Gravidade, com o qual recebeu um Oscar que poderia ter vindo desde Filhos da Esperança em 2006) para criar a ilusão de que o filme foi rodado em único plano, proeza que foi realizada de fato por Aleksndr Sokurov em Arca Russa, de 2002.

O plano-sequência ganhou estatuto de linguagem cinematográfica especialmente valorizada a partir das teorizações do grande crítico francês André Bazin a partir de filmes de Orson Welles e de William Wyler da década de 1940. Ao seu ver, juntamente com a técnica de obter foco em todos os planos da cena filmada (a “profundidade de foco” ou “foco profundo” desenvolvido principalmente pelo fotógrafo Gregg Toland) haveria uma opção ao artifício da montagem dos planos filmados com pequena duração, sendo o resultado mais propício ao realismo nos filmes.

Nas décadas seguintes isso poderia ser confirmado pelo uso de planos-sequência em obras, por exemplo, de Rosselini ou de Mikhail Kalatozov (Eu sou Cuba, 1964), mas em realizações de cineastas posteriores, tomando como exemplo Brian De Palma, o resultado não seria tanto o “realismo” defendido por Bazin, mas a integração entre o recurso narrativo e o momento em que a filmagem utiliza planos mais longos: o tempo da cena filmada e o tempo da história, a relação entre aquele momento da história narrada e o tempo de duração de um plano sem cortes. Quando escreveu seus famosos ensaios a respeito, talvez Bazin desconhecesse a obra do grande cineasta japonês Kenji Mizoguchi, que já usava planos mais longos desde seus filmes silenciosos.

No livro “Figuras traçadas na luz – a encenação no cinema”, David Bordwell conta que quando Mizoguchi (autor de Contos da Lua Vaga, de 1953, dentre outras obras-primas) via um filme de William Wyler (autor de Os Melhores anos de nossas vidas, de 1946 - entre outros clássicos do cinema americano) “marcava o tempo da cena e das tomadas dos filmes de Wyler", a quem considerava “seu único páreo nos circuito dos festivais” do pós-II Guerra. Ainda que - prossegue Bordwell - o japonês “não se preocupasse em competir na loteria do plano-sequência [já que] seus planos eram muito mais longos do que os de Wyler e literalmente de qualquer outro diretor”.

Neste ponto Bordwell omite Festim Diabólico (Rope), que Alfred Hitchcock realizou em 1948, concebido como um único plano-sequência - ainda que precisando cortar de tempos em tempos para trocar o rolo de filme virgem que na época durava em torno de dez minutos. Nestes momentos Hitchcock fazia com que a câmera passasse bem perto das costas de um ator, escurecendo brevemente a imagem para que houvesse um corte “invisível”, e a tomada seguinte reiniciava deste mesmo ponto. Com isso, era criada a ilusão de que as duas tomadas eram uma só e a mesma. Birdman também usa o mesmo antigo truque eventualmente, o que não é demérito em si, sendo a questão principal a opção de rodar o filme como um (aparente) único plano-sequência: para que tal recurso narrativo estaria a serviço do roteiro que se quis filmar?

Hitchcock quis levar o espectador a ver seu filme como se assistisse uma encenação teatral, sendo o roteiro baseado em uma peça feita para o palco com unidade de espaço e tempo da ação, e a duração do filme acabaria sendo a mesma da ação cinematográfica. Ao abordar os ensaios de uma peça como tema deste filme, Iñárritu teria tido a mesma ideia de aproximar cinema e teatro, justificando, de certo modo, sua ambição de realizar Birdman como se fosse um único plano sem cortes (aparentes). O que não fica justificado é que a opção assumiu um caráter maneirista e afetado em relação ao enredo que, tal como a câmera, fica dando voltas sobre si próprio quando já esgotou o que teria a dizer - em muito menos tempo do que os 119 minutos de projeção.

Esse preciosismo de Iñárritu não passa de uma contrapartida formal às obviedades explícitas do “conteúdo” de seus filmes anteriores, nos quais os roteiros insistiam em deixar suas “mensagens” bem explicadinhas para “criar clima” junto à plateia através de recursos fáceis de concretude imagética: antes, imagens sobre situações-limite (como em Babel, 2006) e que (como em Biutiful, 2010) podiam chegar a ultrapassar a linha dos excessos de escatologia e morbidez, incorrendo em uma verdadeira pornografia não-sexual da miséria humana que o diretor parecia necessitar “esfregar na cara” do espectador.

O que ele “esfrega na cara” do público de Birdman é o seu gigantesco plano-sequência, aparentemente único, a serviço de uma situação básica que se repete ad nauseam: um algo decadente astro hollywoodiano de “filmes de super-herói” querendo provar que pode ser um “ator sério”, tendo que lidar com toda sorte de preconceitos que atingem os que tentam fazer tal passagem do “estrelato comercial” para o pretensamente “artístico”.

Iñárritu, de certa forma, está falando de si próprio: ele tenta ser mais “formal” do que “conteudísitico”, sempre lembrando que o tal “conteúdo” de seus longas até agora já eram repletos de armadilhas para o público e para boa parte da crítica, assim como de júris de festivais e premiações que levaram a sério seus truques narrativos e dramatúrgicos, criando tensão através de piruetas folhetinescas. Agora, as piruetas são mesmo com a câmera, e suas imagens, mais uma vez, se reduzem ao abuso do que quer dizer de modo literal e concreto, sem conseguir dimensionar nem aprofundar a situação de base.

Pode ser curioso (do tipo “a arte imita a vida”) encontrar Michael Keaton fazendo o papel de um ex-heroi voador, o tal "Birdman" do título, tal como de fato Keaton é um ex-Batman. Pode ser fascinante ver a entrada em cena de Edward Norton fazendo um ator que “brinca” com a representação que seu personagem dá ao personagem e às situações da peça que está sendo ensaiada - e com mais recursos do que Keaton, tanto na peça dentro do filme como no filme mesmo; assim como transmitem mais veracidade e consistência os desempenhos de Amy Rian, Naomi Watts, Lindsay Duncan e Emma Stone.

Quando até o próprio Iñárritu parece se dar conta de que não tem mais nada a dizer, na maior cara de pau, ele busca saídas fáceis, tal como fazer com que o ator, que no passado havia encarnado o tal “Birdman” em três filmes. saia pela janela e... voe!!! (Pelo menos ele não repete a concretude que o fez “comentar” o 11 de setembro no filme coletivo "11´09´´01 ", de 2002, com as imagens concretamente óbvias e chocantes dos corpos reais jogando-se das torres).

Iñarritu é daqueles que filma, mais do que para dizer algo com consistência, visando obter algum “efeito”.

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Outros comentários
    3982
  • Wagner
    29.01.2015 às 14:19

    Entrei aqui esperando ler uma crítica, mas o autor perdeu a maior parte do seu tempo numa espécie de "veja com conheço a história dos planos sequência!". É como se não bastasse. Terminou com um spoiler.
    • 3983
    • Luiz Fernando Gallego
      29.01.2015 às 14:39

      Prezado Wagner: a acusação de spoiler nao procede pois a cena mencionada ocorre no meio do filme, talvez você a tenha confundido com outra em que o diretor repete uma ideia semelhante. Quanto a informar o público leitor sobre planos-sequência, me parece bem pertinente em um filme que abusa do recurso. Talvez voce ja saiba tudo sobre plano-sequencia, mas nem todo leitor está informado e cabe ao crítico informar historicamente - até mesmo para questionar o uso abusivo e despropositado deste filme.
    3993
  • Joao
    31.01.2015 às 00:50

    Nem sempre o que transparece (a obviedade) é ruim para os amantes do cinema. Ao mesmo passo, nem sempre o que está implícito é muito bom. Gosto de filmes subliminares (sou admirador profundo de Paul Thomas Anderson, por exemplo), mas de vez em quando é bom ver algo mais "mastigado", desde que tenha conteúdo. Este é caso de birdman, ao meu sentir. Belo texto. Respeito sua opinião, e, antes de tudo, seu conhecimento. Parabens.
  • 3998
  • SelmaWeissmann
    31.01.2015 às 14:13

    Filme chatíssimo.
  • 4047
  • Sergio Kehdy
    07.02.2015 às 13:54

    Gostaria de perguntar o que Spoiler? Sou um assistidor de filmes que nada sabe das técnicas de filmagem, mas quando o texto esclarece gosto muito, portanto para mim, o texto do autor foi de muita utilidade e aguardo o esclarecimento solicitado. Sérgio Kehdy
    • 4048
    • Luiz Fernando Gallego
      07.02.2015 às 15:41

      Caro Sergio: o termo é utilizado para resenhas, criticas ou reportagens que revelam muito do desenvolvimento do enredo e seu desfecho, o que pode estragar (to spoil) o prazer do leitor no caso de ainda pretender ver o filme, ja sabendo muito - ou tudo - o que vai acontecer.
    4052
  • Thales Saad
    17.02.2015 às 20:10

    Caro Luiz, gosto muito de suas críticas mas admito que senti seu texto um pouco tendencioso desta vez, pois fica claro que você não gosta do diretor e já tem uma opinião formada sobre ele. Um pouco de imparcialidade talvez ajudaria na análise deste filme em específico. [ATENÇÃO: O COMENTÁRIO CONTÉM SPOILER] E concordo com o Wagner com relação ao spoiler, que ele referia no caso sobre a cena que você citou como desfecho do filme "saia pela janela e... Voe!".
    • 4053
    • Luiz Fernando Gallego
      17.02.2015 às 20:52

      Prezado Thales: Obrigado pelo comentário. Caso eu esteja equivocado, corrija-me, por favor, mas [ATENÇÃO, SPOILER a seguir] há duas cenas em que o personagem interpretado pelo Michael Keaton faz a mesma coisa: a cena à qual eu me referi é a primeira vez que isso acontece, bem antes do final, quando o personagem-herói (o 'Birdman'), antes vivido pelo ator, é visto como em uma caricatural cena de filme de ação de super-herói. Se o diretor-roteirista repete a cena e a mesma "saída" é deixada em aberto pela personagem da filha olhando para o alto, a questão se houve spoiler, coisa em relação à qual eu sou cuidadosíssimo, é porque vocês estão levando em conta a segunda vez que o roteirista utilizou a mesma "saída". Spoiler, se houve, é pelo filme repetir tudo à exaustão, até as saídas do Michael Keaton. Quanto a ter havido preconceito com o diretor, sinceramente, não vejo assim: tenho um conceito sobre ele extraído de seus filmes anteriores. O início deste filme até faz supor que algo diferente virá, mas apenas o tema é diverso de filmes anteriores, só que ele não tem quase nada de novo a dizer sobre o assunto. Daí minha visão de que o filme, mais preocupado com a forma (o plano-sequência), é pobre no que seria central: a questão do ator que vem de sucessos de bilheteria e quer fazer "teatro sério". O enredo dá voltas como a câmera, não saindo praticamente da situação de base que ficou bem pouco desenvolvida. Daí minha visão negativa sobre este filme especificamente, independentemente de minha opinião sobre os filmes anteriores do mesmo diretor. Abração.
    4071
  • Yuri Mariano
    27.02.2015 às 17:53

    Acho válida a crítica do Luiz Fernando Gallego, apesar de não concordar em parte com sua opinião sobre o filme. Curiosidades referente a história do cinema são sempre bem-vindas, para os verdadeiros amantes da sétima arte.
  • 4083
  • peter mileo
    15.03.2015 às 09:14

    Eu digitei criticas do filme birdiman no googlee um dos resultados foi este site. Q cara pretencioso nunca mais entro aqui. O critico se acha o Deus.