A crítica confessa: não leu Fifty shades of Grey (título original) e suspeita que, para vender 100 milhões de exemplares, o livro deva ser muito bom ou muito ruim. Vai ficar sem saber, mas conferiu a adaptação para as telas: bobíssima, quase pueril. Apesar da marquetada voltagem erótica da trama, o resultado é uma reciclagem pornô-soft do velhíssimo conto de fadas da gata borralheira e seu príncipe desencantado.
A autora E. L. James parece ter agarrado com unhas e dentes batidos truques de como conquistar ricaços que têm tudo que o dinheiro pode comprar, menos amor. Como Christian Grey, 27 anos, o bilionário solteiro mais cobiçado do planeta. Estiloso como um modelo de Hugo Boss, o rapaz é um pobre de espírito burocrático que tem um lado oculto: um salão de jogos eróticos cinco estrelas. Detalhe: ele só brinca depois da outra parte assinar um contrato repleto de cláusulas, prevendo tudo, tim-tim por tim-tim. Excitante, não?
Já Anastasia estuda literatura, é bonitinha, espontânea, trabalha em loja de ferragens, anda de fusca e, acredite quem quiser – é virgem! O casal se encontra, pinta uma atração irresistível tipo ‘os opostos se atraem’ . A gatinha sabe muito bem que o caminho mais fácil para conquistar o mocinho é se fazer de difícil. E o cinema ensinou que no peito de um milionário cínico sempre bate um coração romântico.
Por esses clichês trafega Cinquenta tons de Cinza. A diretora Sam Taylor-Johnson (de O garoto de Liverpool) administra um roteiro bem-comportado, com tímidas tentativas de humor. A fotografia é vistosa, os cenários ‘classudos’ e a trilha variada vai de Beyoncé a Villa-Lobos (Bachiana nº 5, na cena mais ‘interiorizada’ do rapaz). A dupla Jamie Dornan e Dakota Johnson é funcional como um comercial de relógio. Os ansiados detalhes picantes – duas ou três cenas já no final – mais sugerem do que revelam. É assim que deve ser. Inflar as expectativas do público para os dois próximos capítulos da saga, já em linha de montagem. No segundo, o príncipe promete revelar tudo sobre traumas de infância. Devem ser imperdíveis.
(Publicada em O Globo em 12 fevereiro 2015)