Já estamos perto do Festival de Cannes 2015 e ainda não chegou às nossas telas o vencedor de 2014. Mas o cinéfilo que já curtiu Acima das Nuvens, de Olivier Assayas; Dívida de Honra de Tomy Lee Jones; ou/e Dois dias, uma noite, dos Irmãos Dardenne – que saíram de Cannes sem nenhuma premiação – pode ficar esperançoso com o lançamento de As Maravilhas, de Alice Rohrwacher. Só que o risco de decepcionar-se talvez seja maior do que a boa expectativa.
O “Grande Prêmio do Júri” em Cannes 2014 (não é a Palma de Ouro, que foi para o ainda inédito entre nós Sono de Inverno, de Nuri Bilge Ceylan) foi para este filme italiano que tenta atingir múltiplos focos - mas fica a meio caminho de todos - e tem uma linguagem formal “tipo despojada” (bem na modinha) - mas que não convence. Em algumas passagens segue uma linha algo “neorrealista” e semi-documental ao abordar a dura vida de pequenos produtores rurais, centrando-se especialmente em uma família que extrai mel de colmeias. Nesta mesma linha também temos a entrada em cena de um garoto-problema, de origem alemã, que é entregue ao chefe desta família (e que se chama ‘Wolfgang’) para uma espécie de estágio fora de um reformatório; na verdade, o interesse do adulto é ter mais uma mão de obra para seu árduo trabalho.
Mas o filme também tem seus momentos-meio-fellinianos quando mostra filmagens de programas de TV, mídia que Fellini adorava odiar (lembram de Ginger e Fred ?). Ainda há uma espécie de concurso com jeitão um pouquinho “reality show” ao cabo do qual quatro produtores de diferentes coisas serão selecionados, e um deles premiado com algum montante de dinheiro. Gelsomina (outra alusão felliniana?), a mais velha das 4 filhas de Wolfgang, entusiasma-se com a visão da personagem de Monica Bellucci, uma apresentadora de TV com peruca branca de longos cabelos algodoados e uma veste que (aos brasileiros) pode lembrar uma espécie Iemanjá europeizada. Ela inscreve sua família no concurso contra a vontade do pai. A cena dos finalistas frente às câmeras parece pretender mostrar algo constrangedor para aquelas pessoas simples, algumas vestidas como etruscos da antiguidade - só que a cena é, em si mesma, bem constrangedora.
Em algumas passsagens vemos que Wolfgang, às vezes só, às vezes com toda a família, dorme ao relento, o que não fica claro se se trata de uma cena realista ou de uma metáfora quanto ao risco da família se ver despejada do lugar onde residem e trabalham com as abelhas.
Como mostra o cartaz do filme, talvez também seja uma cena “poética” aquela em que Gelsomina deixa que abelhas saiam de sua boca e percorram suas bochechas – o que pode levar os fóbicos a insetos a terem um certo grau de desconforto.
Sem nenhum foco mais bem definido, insatisfatório em todos, As Maravilhas frustra nas partes e no todo.