
Não deixa de ser estranho que “James Brown” (“Get On Up”) tenha passado em branco no Oscar 2015. Dirigido pelo mesmo Tate Taylor que emplacou quatro indicações e uma estatueta de melhor atriz coadjuvante para Octavia Spencer no drama “Histórias Cruzadas”, a biografia da lenda da soul music tinha todos os elementos que a Academia gosta de premiar: uma história de superação contada de maneira envolvente, com ótimos atores (incluindo, além de Octavia Spencer, a indicada Viola Davis, protagonista de “Histórias Cruzadas”) e boa música.
Nem sempre indicações ao Oscar são garantia de qualidade, mas “James Brown” é bem melhor que “Histórias Cruzadas”, dentro das limitações do cinema de entretenimento. Ele está mais para cinebiografias convencionais como a de Ray Charles do que para a ousadia autoral de Todd Haynes para falar do multifacetado bob Dylan em “Não Estou Lá”. E isso não é nenhum demérito.
A história do menino que sofreu com o abandono familiar e foi condenado a mais de cinco anos de detenção por roubar um terno até pode ser usada para apimentar a discussão sobre a redução da maioridade penal no Brasil. O jovem Brown teve oportunidade de, na cadeia, aprimorar seus dotes musicais, enquanto nossos presídios são fábricas de bandidos. Aqui, a chance do ladrão de terno sair da cadeia com instintos homicidas é grande.
O viés sociológico e racial do filme não tem tanta ênfase quanto a parte musical, que chama a atenção a começar pela personificação impressionante que o ator Chadwick Boseman faz do cantor. Mesmo que na maioria das músicas ele esteja apenas dublando Brown, os trejeitos e os passos de dança são idênticos aos do cantor. E a qualidade do repertório dispensa comentários.
Mas o melhor é perceber a sutileza com que ele compõe o perfil psicológico do músico. O jovem humilde e tímido vai aos poucos se transformando num descomunal egocêntrico que se comportava como um semideus. O excesso de autoconfiança era uma faca de dois gumes, que se por vezes lhe era favorável no aspecto artístico, por outro causava sua ruína nas relações pessoais e profissionais. Mesmo revisitando elementos já conhecidos de sua biografia recheada de escândalos, “James Brown” consegue manter um pique tão contagiante quanto seu vasto acervo de obras-primas musicais.