O mais recente filme do diretor alemão Christian Petzold (que ficou mais conhecido dos cinéfilos brasileiros por Barbara (2012), feito com a mesma atriz deste Phoenix, Nina Hoss) é guiado quase que o tempo todo pela mesmerizante canção do também germânico Kurt Weill, com letra original em inglês de Ogden Nash, “Speak Low”.
A letra, dizem, foi inspirada em uma passagem de Shakespeare em “Muito Barulho por Nada” (“Fale baixo se estás falando de amor” deu origem a “Fale baixo quando falar, amor”) e diz, melancolicamente, da fugacidade dos sentimentos amorosos. Em tradução livre de um trecho: "o amanhã está sempre tão próximo / o tempo é tão antigo, e o amor tão breve...é puro ouro, e o tempo, um ladrão / estamos atrasados, a cortina desce e tudo acaba tão cedo" - bem adequada à história que o roteiro desenvolve, ainda que com algumas questões que o espectador pode levantar.
É preciso aceitar (evitando a "idiotice da objetividade" denunciada por Nelson Rodrigues) que o marido de Nelly não a reconheça depois que ela teve o rosto desfigurado em campo de concentração, tendo precisado de plástica reparadora que a deixou, no máximo, “lembrando outra pessoa” - que é ela mesma.
É preciso aceitar que, nem pela voz (e Nelly era cantora), nem por outras características físicas, Johannes consiga levantar a hipótese de que aquela ‘Esther’ (nome falso com que ela se apresenta a ele) seja Nelly. Podemos mesmo entender que ele tenha motivos, objetivos, concretos, mas também na esfera emocional subjetiva, para desejar que Nelly tenha, de fato, sido morta.
O enredo, de certa forma melodramático, é filmado, entretanto, de modo direto, seco, quase que como pela lente de uma câmera que observa de modo distanciado o comportamento errático de personagens iludidos por suas próprias crenças necessárias e derrotados pelas descrenças e decepções vividas.
O sucesso da empreitada se sobrepõe às possíveis questões de verossimilhança (e o enredo daria um conto perfeito, sem imagens nem sons) e se deve tanto à linguagem fílmica minuciosamente construída cena-a-cena (com iluminação admirável) como ao desempenho magistral de Nina Hoss. Quem a viu como a médica determinada e segura de Barbara vai certamente ficar impressionado com a ‘Nelly’ frágil e apequenada de Phoenix . Tal como o marido de Nelly, quase não reconhecemos que é a mesma atriz. Ela constrói um arco dramático (quase "anti-dramático") para sua personagem que é absolutamente irretocável, culminando na pungente - pela simplicidade - cena final. Ao som de "Speak Low", é claro.