Amalia é uma menina à procura de uma revelação. Como suas colegas da aula de catecismo, ela quer saber a que foi destinada nos planos divinos. Por ser mais ingênua ou facilmente sugestionável, vai localizar o chamado de uma vocação na carícia furtiva que um homem maduro lhe faz numa aglomeração de rua. O Dr. Jano, porém, vem a ser um dos participantes de um congresso de medicina que se desenrola no hotel onde Amalia vive com sua mãe, uma mulher divorciada que sucumbe ao charme soturno do otorrino.
Mas a rotina desse rascunho de triângulo amoroso não é o que interessa à diretora Lucrecia Martel. Nem mesmo o perfume de escândalo social que toma conta do ambiente nas cenas finais. Ela prefere circunavegar esses temas clássicos numa rota tortuosa, que se norteia mais pelos recifes que pelo canal principal. Menina Santa é um conto cruel sobre iniciação sexual e mistificação religiosa, mediadas por uma histeria contida. A inseminação auditiva tem um papel preponderante, reverberando na especialidade do Dr. Jano, nos ruídos misteriosos que se ouvem nas dependências do hotel e nas performances de um músico com um instrumento sem cordas que emite notas pela manipulação do vácuo (o theremin).
A inação e o desconforto físico em que se moviam as personagens de O Pântano dão lugar a um surdo frenesi de sussurros, cópulas sigilosas, olhares gulosos e pantomimas quase cômicas – tudo isso em recintos bem mais “convenientes” que o decrépito solar familiar do filme anterior. Compare a piscina do hotel, por exemplo, com a fétida cloaca de O Pântano. Mas o dialeto cinematográfico de Lucrecia continua o mesmo quando se trata de truncar diálogos, forjar disjunções desconcertantes e sabotar a linearidade para forçar uma apreensão indireta do que ela tem a dizer.
Não compartilho da admiração incondicional dos críticos argentinos, que colocaram Menina Santa no mesmo panteão de O Pântano. A gramática aqui me parece mais artificial, já que não flui do assunto em pauta, mas é imposta a ele. Uma enunciação mais límpida só ajudaria a colocar de pé um argumento ambicioso, que, assim como está, não se faz ouvir em toda a sua extensão.
# MENINA SANTA (La Niña Santa)
Argentina/Itália/Holanda/Espanha, 2004
Direção e Roteiro: LUCRECIA MARTEL
Fotografia: FÉLIX MONTI
Montagem: SANTIAGO RICCI
Música: ANDRES GERZENSON
Elenco: MARIA ALCHÉ, MERCEDES MORÁN, CARLOS BELLOSO, MIA MAESTRO
Duração: 106 minutos
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