Jesse e Celine - ele, um americano em férias; ela, uma estudante francesa - conheceram-se durante uma viagem pela Europa. O casal aproveita o intervalo entre a chegada do trem e suas novas partidas, agora em rotas distintas, para flanar por 14 horas pela bela Viena, conversando sobre suas vidas, seu futuro, expectativas e desejos, mas, principalmente, trocando aqueles misteriosos toques, olhares e sorrisos que amalgamam e dão viço às grandes paixões. A história dos dois, protagonistas do encantador Antes do Amanhecer, terminava com a separação. E com uma promessa: dali a seis meses se reencontrariam.
Sem dúvida singular se comparado às tradicionais love-stories hollywoodianas, porém bastante convencional sob o ponto de vista formal, o filme dirigido por Richard Linklater em 1995 virou objeto de adoração de uma geração de espectadores justamente por conseguir registrar com magia e sutileza essa mútua descoberta, destino (ou esperança?) de todos nós. O final em aberto, embora deixasse uma sensação de vaga melancolia, fomentava alguns mistérios: E se eles seguissem juntos? Voltariam a se esbarrar por aí?
Linklater nunca escondeu a vontade de retornar à história dos personagens interpretados por Ethan Hawke e Julie Delpy. Quando, em 2001, com Walking Life o cineasta fez sua investida na animação, reviveu Jesse e Celine em suas constantes discussões filosóficas, religiosas e existenciais. Os dois atores inclusive serviram de modelos aos desenhos produzidos literalmente por cima do copião em película. O passo posterior, contudo, foi dado este ano, quando o que fora apenas ensaiado sob forma animada tornou-se continuação propriamente dita. Antes do Pôr-do-Sol, como já indica o título, estabelece uma conexão direta com o filme original.
Paris é o cenário do reencontro entre Jesse e Celine, nove anos depois. A charmosa Sheakespeare and Co, em pleno Quartier Latin, é a última parada da turnê de divulgação do romance lançado por Jesse, e é na livraria que Celine surge repentinamente. Com vôo marcado para cerca de uma hora e meia depois, ele a convida para uma conversa, que se desenrolará durante passeio pela capital francesa.
Antes do Pôr-do-Sol está essencialmente centrado no diálogo entre os dois, filmado em tempo real e preenchido pelas expressões (“e se...”, “por quê?”, “mas...”) naturais do tardio reencontro em novo interregno. O filme estrutura-se em seis grandes movimentos – o contato na livraria, a caminhada pelas ruas, a parada para o café, a curta navegação pelo Sena, a carona até a casa dela e o diálogo final, já dentro do apartamento – que se revezam entre longos planos-seqüência e tomadas intimistas em primeiro plano. Os dois atores, à vontade nos personagens, expressam com competência o desconforto diante das agruras da realidade (a frustração amorosa dele, a desesperança dela), em contraponto às imagens-ideais construídas nas 14 horas idílicas do passado. O roteiro, aliás, tece permanentes relações com os acontecimentos de Viena, o que é um alento para quem não viu Antes do Amanhecer. E malgrado em alguns momentos dar espaço demasiado às “filosofices” que tanto prejudicaram Walking Life, por vezes chegando à inverossimilhança, é um tanto enxuto.
A coesão, em meio a frases e lembranças e verbos na condicional, fia-se acima de tudo numa inevitável (e talvez dolorosa) especulação: Como poderia ter sido? Caso optassem por ficar juntos, seria a relação roída pelos vícios da convivência, transformando-se em algo banal? Os fãs do primeiro filme podem ressentir-se das menores porções de romantismo em Antes do Pôr-do-Sol, mas Linklater foi sagaz o bastante para não cair no equívoco de responder tais questões por completo. Afinal, Jesse e Celine lidam com hipóteses. E mais: com o tempo já decorrido, com sonhos cortados na lâmina do cotidiano. Isso não significa em absoluto que em Antes do Pôr-do-Sol o cineasta tenha trocado a esperança pelo cinismo. Se assim fosse, como explicar a dança de Celine para um apalermado Jesse na estupenda seqüência final, ao som de Nina Simone? Descrevê-la não seria justo com o futuro espectador. Mas é como se o jazz ganhasse imagens.
#ANTES DO PÔR-DO-SOL (Before Sunset)
EUA, 2004
Direção: RICHARD LINKLATER
Roteiro: RICHARD LINKLATER, KIM KRIZAN, ETHAN HAWKE, JULIE DELPY
Fotografia: LEE DANIEL
Montagem SANDRA ADAIR
Elenco: ETHAN HAWKE, JULIE DELPY, VERNON DOBTCHEFF
Duração: 80 min
