Em algum momento de A Dama Dourada é mencionado que a pintura de Klimt que empresta nome ao filme virou ímã de geladeira, alusão à banalização de obras de arte pela indústria de consumo em “lojinhas de museus” (se você não pode ter um Klimt, tenha uma cópia em miniatura na porta de seu freezer). E por um lado, este mais recente filme de Simon Curtis (de Sete dias com Marilyn) é mesmo comparável a um ímã de geladeira: pode remeter a uma obra de arte - mas não passa de narrativa "kitsch" que reúne inúmeros clichês como recurso para envolver o público melodramaticamente - o que é reforçado pelas “viradinhas” preconizadas pelos manuais de roteiro. Ou seja, um típico produto do cinemão anglo-americano destinado às plateias habituadas a filmes que não demovam o espectador de - outro clichê - sua “zona de conforto”.
Por outro lado, a carpintaria rotineira que fica mais evidente para o cinéfilo aficionado funciona exatamente dentro do pretendido, sendo o filme alavancado pela curiosa (e aí vem outro clichê) “química” que se estabelece entre os atores centrais: Ryan Reynolds - 38 anos, aparentando um pouco menos graças a um leve estrabismo convergente - e Helen Mirren na flor de seus 70 anos, e de quem sempre podemos esperar interpretações inteligentes e, não raramente, irônicas.
Desta vez, aquela que já fez da rainha Elizabeth II uma soberana bem mais simpática nas telas do que no mundo real, e que, sem que ninguém lhe perguntasse a respeito, fez questão de declarar que não estava usando roupa de baixo quando recebeu o Oscar por aquele seu memorável desempenho, parece brincar com outro clichê – o da personagem que é uma “típica” (?) senhora judia por vezes levemente caricata, mas bastante assertiva em suas determinações.
‘Dame’ Helen Mirren é assim: parece adorar uma brincadeirinha sacana e, ao lado de suas participações em filmes rotineiros como este, não nega fogo em outros com aura de escândalo (como O Cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante), tendo praticamente estreado no cinema como uma “lolita” mais proativa e semidespida em Age of Consent (1969). Em filmes e papéis que, para ela, são menos exigentes a atriz parece divertir-se dando um tom sutilmente distanciado a personagens menos verossímeis. Não que o tipo que ela recriou para A Dama Dourada não tenha existido de fato: mesmo sem o famoso letreiro-clichê de tantos filmes atuais, este é baseado numa história real. Trata de um famoso quadro de Klimt rebatizado pelos nazistas quando dele se apropriaram como “A dama dourada”, mas que, na verdade, era o “Retrato de Adele Bloch-Bauer”, tia da personagem interpretada por Helen Mirren, escapando habilmente aos riscos de melodrama pela ironia e humor.
Da mesma forma, o jovem e inexperiente (mais um clichê) advogado que vai tentar resgatar o quadro para sua legítima (e legal?) herdeira existe, e é realmente neto do famoso músico Arnold Schoenberg, carregando o - relativo - peso do sobrenome. Relativo porque Schoenberg não é nenhum Mozart em matéria de popularidade, sendo que a maioria de suas peças ainda soam ásperas para muitos ouvidos, composições dodecafônicas que jamais seriam edulcoradas em embalagens de chocolates tal como banalizaram o vienense bem mais antigo e palatável também conhecido como ‘Amadeus’. Prudentemente, o filme só usa em sua trilha, um trechinho da obra mais “fácil” de vovô Schoenberg, “A Noite Transfigurada”.
As limitações de Ryan Reynolds no papel do neto-advogado-jovem-de-antepassado-famoso tentando um passo talvez bem maior do que as pernas são minimizadas pelo ar “nerd” propiciado pelos óculos acrescentados às expressões “planas” e pouco maleáveis do ator, mas, acima de tudo pelo clima que fica entre o maternal e o quase-quase-erótico que a atriz mais dotada empresta ambiguamente à relação inicial entre uma mulher bem mais velha e o jovem indicado por uma amiga, típica ação de “mãe judia” ao promover o filho profissionalmente. Se o roteiro previa uma pequena simpatia/quase antipatia inicial entre eles, para, aos poucos (e pelo valor do quadro em questão) o jovem advogado se ver envolvido - profissionalmente, é claro – pela demanda da senhora mais velha, Helen Mirren faz de sua "conquista" uma forma de “sedução” da qual a plateia não escapa, deixando-se levar por ela, e de reboque, pela (ótima) história real transformada em ficção “enriquecida” (ou empobrecida?) por clichês aos montes.
No mais o filme é mesmo “mais do mesmo”: flashbacks algo turísticos em uma Viena do passado idealizado e fotografada como enfeite, o nazismo insidioso cuja ameaça já se fará presente, frases pomposas de despedidas heroicas, suspense previsível em cenas de fuga e em outras de – mais clichê – “filme de tribunal”. Nesta última categoria, com direito a breves participações de Elizabeth McGovern (esposa do diretor) e, principalmente, de Jonathan Pryce como Presidente da Suprema Corte americana dando categoria a diálogos que são muitas vezes divertidos, especialmente na boca de atores do porte de Pryce ou Mirren, aos quais é bem difícil resistir.