Críticas


FESTIVAL DO RIO 2004: CARMEN

De: VICENTE ARANDA
Com: PAZ VEGA, LEONARDO SBARAGLIA, JAY BENEDICT, JOAN CROSAS
25.09.2004
Por João Mattos
MITO PASSIONAL ARRUINADO

A persistência na memória popular de figuras reais ou fictícias retratadas em manifestações artísticas diversas faz com que artistas e público tenham eterno interesse em buscar novas e alternativa visões sobre essas criaturas. Este Carmen procura uma maneira diferente de utilizar a figura da cigana espanhola que enlouquece de paixão um jovem e inexperiente oficial de exército. Isso passa por usar como personagem no cinema o escritor Prosper Merimée, que em 1845 lançou o conto que tinha a fictícia cigana (há quem diga que ele teria se baseado em fatos reais, o que outros negam) como personagem-título, que foi tornada imensamente popular mundo afora muito mais pela ópera de Georges Bizet.



Neste novo filme do veterano e bom diretor Vicente Aranda, Merimée conhece Carmen e José antes do horrível desenlace que faz com que José, preso em uma cadeia, narre para ele todos os desatinos que a paixão o fez viver. Como Aranda foi diretor de várias obras (desiguais, mas sempre interessantes) que tratam de paixões alucinantes e sexo, como Paixão Turca, o pouco visto e excelente O Olhar do Outro, Paixão e Ciúme e Joana, a Louca o conceito inicial teria condições de virar uma obra interessante.



Tal idéia-base poderia servir para um jogo de cruzamentos entre criação e vida, em termos emocionais e de linguagem, colocando o artista Merimée como uma espécie de privilegiado voyeur-posterior aos fatos narrados, graças à sua posição frente às pessoas com que interage dentro da trama (José pede para ser escutado por Merimée por julgá-lo inteligente e capaz de entender o que ele viveu), e ainda mais em relação a nós espectadores reais, pois saberemos a conseqüência deste conhecimento travado (o livro que deu origem ao culto), segundo criou a imaginação do diretor e co-roteirista do filme. Porém, o que acontece é apenas mais uma versão da história conhecida, aparecendo o Merimée-personagem pouquíssimo, sendo que todas as suas cenas até poderiam ser cortadas e substituídas por, quem sabe, uma narração em off do José encarcerado, já que praticamente não há interação entre eles. Com o novo ponto de vista mal utilizado, restava que o lado convencional da história fosse correto e funcional como o de outras versões.



Infelizmente temos uma direção que repousa sobre sinais confortáveis de qualidade-padrão, usando a tela cheia (do scope), direção de arte, montagem, enfim, os recursos narrativos, para fazer versão solene de uma paixão que se supõe voraz, e que na realização artística nunca é mostrada com garra. Como José, o argentino Leonardo Sbaraglia (Plata Queimada) investe tudo num olhar forte mais para o de um psicótico leve meio emburrado do que de um ciumento com as conhecidas alterações de humor desse tipo de pessoa; o fascínio que tenta demonstrar acaba por ser apenas maneirista. E a bela e talentosa Paz Vega (da obra-prima Lúcia e o Sexo) tampouco consegue fazer de sua cigana mais do que uma fêmea fatal comum. Ruim, Carmen é, desde já, uma das maiores decepções do Festival do Rio 2004.





#Carmen (Carmen)

Alemanha, 2004

Direção: VICENTE ARANDA

Elenco: PAZ VEGA, LEONARDO SBARAGLIA, JAY BENEDICT, JOAN CROSAS

Duração: 118 min.

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário