Críticas


QUE HORAS ELA VOLTA?

De: ANNA MUYLAERT
Com: REGINA CASÉ, CAMILA MÁRDILA, KARINE TELES
27.08.2015
Por Luiz Fernando Gallego
A denúncia do patriarcalismo interesseiro na relação patrões-empregadas fica esvaziada pelo esquematismo no roteiro condescendente para com as plateias.

Ao abordar certas peculiaridades da tradicional relação de patrões da alta classe média brasileira com suas empregadas domésticas, Anna Muylaert desenvolveu um roteiro interessante do ponto de vista das situações que denunciam contradições da cordialidade de patrões que não pedem nada sem acrescentar um “por favor” enquanto se beneficiam enormemente dos serviços que lhes são prestados: é quando Jéssica (Camila Márdila), filha da empregada Val (Regina Casé), chega na casa dos patrões Bárbara (Karine Teles) e Carlos (Lourenço Mutarelli), evidenciando a submissão de sua mãe conformada a um modo de ser tratada que, sob tanta amabilidade, não corresponde de fato ao quanto ela é útil (e utilizada) naquela família.

Pena que - do ponto de vista da criação dos personagens e de suas reações aos conflitos latentes que vão se tornando manifestos - o enredo se desenvolva através de esquematismos que os deixam com traços caricaturais, o que prejudica mais especialmente o desempenho de Karine Teles. Não se trata de ignorar que existem pessoas como ‘Bárbara’ - e até bem piores, preconceituosas e menos dissimuladas na exploração dos criados - mas se houvesse mais sutileza na demonstração do que a diretora e roteirista pretendeu, o paternalismo e patriarcalismo da classe média para com suas empregadas ditas "quase que da família" ficariam mais problematizados no interior mesmo de condicionantes sociais de afabilidade que servem para manter as restrições e diferenças de classes.

Pesar a mão nos patrões - com momentos de praticamente vilões pela mesquinharia revelada sob a capa de polidez patriarcal - esvazia o alcance que a crítica social almejada poderia obter. Com pessoas de “boas intenções” e sem derrapadas, seja como megera ou como explorador, a crítica ao sistema de dominação pelo afeto ficaria mais contundente. O modo explícito que o roteiro persegue soa a proselitismo de "mensagem" óbvia, transformando o filme em “filme de tese” um tanto previsível em alguns aspectos e surpreendendo mal em outros - como na assimetria entre o rendimento nos estudos de Jéssica e do filho dos patrões, Fabinho (Michel Joelsas). E os planos fixos de enquadre dentro do qual os atores se movimentam pretendem uma suposta sofisticação formal que entra em choque com o primarismo esquemático de personagens e do roteiro.

Regina Casé, em papel sob medida para seu histrionismo, conquista de cara a plateia, mas a atriz não deixa de escorregar em certo grau de populismo de chanchada mais à moda da animadora de TV. Camila Márdila se destaca em personagem mais matizada.

A questão do titulo (que horas as mães voltam do trabalho no caso de trabalharem fora de casa?) fica mal resolvida no desfecho que soa a “deus ex machina” sem resolver a questão em que mães (de qualquer classe social, mas principalmente entre as menos favorecidas financeiramente) trabalham ou estudam sem ter com quem deixar seus filhos: drama que Val resolvia para Bárbara cuidando amorosamente de Fabinho mas deixando de cuidar de sua própria filha que sustentava à distância: uma questão melindrosa (que geralmente sacrifica mais a relação mãe-filhos da parte mais frágil e carente da sociedade) que o filme aborda como base dos relacionamentos "profissionais" entre as personagens femininas.

Parece-nos que Muylaert quis mesmo fazer algo esquemático para deixar sua "mensagem social" bem clara e explícita com certa dose de condescendência (e paternalismo?) para com as plateias, mas a cena do pai (Carlos/Lourenço Mutarelli) na cozinha, mais do que a provável intenção de ser patética para o personagem, ficou apenas ridícula no corpo do filme.

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Outros comentários
    4136
  • Marcio
    05.09.2015 às 10:54

    Unica crítica negativa que vi pro filme. Vazia. Partidária. Dá a impressão que quem escreveu se sentiu ofendido pela mensagem...
    • 4137
    • Luiz Fernando Gallego
      05.09.2015 às 13:31

      Talvez o leitor é que tenha se sentido ofendido por encontrar uma opinião divergente da sua e da maioria. Nosso site também tem outra opinião mais favorável ao filme, talvez mais ao gosto do leitor. Mas o fato desta ser a (supostamente) única crítica menos favorável ao filme não a desqualificaria por este aspecto de ter opinião diferente, sendo "a única" - que nem é: pois, ainda que com mais condescendência, o jornal "A Folha de São Paulo" mencionou problemas bem semelhantes aos que apontei, chegando a ser mencionada uma "novelização" do enredo. No nosso caso, o texto expôs seus motivos para considerar o filme menos satisfatório, portanto não é uma crítica "vazia". Já "partidário" me pareceu o modo como o filme caricaturou certos personagens.
    4138
  • Gabriel Rosário
    06.09.2015 às 09:35

    Parabéns ao crítico pelo seu trabalho e domínio da verve que descreveu uma queimadura como poucos. Senti a mágoa e o rancor em palavras.
    • 4139
    • Luiz Fernando Gallego
      06.09.2015 às 10:14

      Comentários meramente ofensivos e sem argumentos não merecem resposta ou consideração.
    4143
  • Joao evolução
    14.09.2015 às 19:38

    Parabens pela critica corajosa e inteligente. Toda a unanimidade é burra. Concordo 100% com suas considerações.
    • 4144
    • Luiz Fernando Gallego
      14.09.2015 às 20:07

      Obrigado, João
    4148
  • Gabriel Lima
    17.09.2015 às 07:24

    Essa foi a primeira critica ao filme com a qual eu concordei, o filme é bom, mas tem alguns exageros, que acabam fazendo com que quem concorda com o ponto de vista o ame e quem não concorda odeie, vi uma critica comparando esse filme com filmes franceses mais cult, mas acho que ao contrário dos cult franceses ele não leva o espectador pensar por um novo ponto de vista e chegar sozinho a conclusão que o autor tenta expor, ele apenas joga uma situação pronta onde o espectador engole o que é passado.
    • 4151
    • Luiz Fernando Gallego
      18.09.2015 às 04:43

      Concordo, Gabriel, o filme não deixa o espectador pensar por si próprio, faz demonstração de teorema/tese do tipo "como queríamos demonstrar" com argumentos e conclusões previamente definidas. Como escrevi, acho que o roteiro perde muitos pontos ao mostrar uma patroa mesquinha e patrão porra-louca (não vou dizer como em consideração a quem não viu o filme ainda). Não é que não existam patroas até piores, mas a crítica às condições de empregada doméstica seria mais forte se mostrasse as contradições no seio mesmo de uma relação afetuosa entre patrões e empregados, sem mesquinharia. Quando os patrões ficam vilõezinhos o filme aposta no maniqueísmo banal de "ricos mauzinhos versus pobres super e sempre legais", esqueminha empobrecedor. O filme não é ruim, mas não acho merecedor dessa unanimidade favorável. Trata a plateia como infantilizada que só entenderia a questão em caso de "certinhos" e "erradinhos". Com patrões super-legais de fato a crítica seria mais contundente atacando as contradições que o filme mostra a partir dos questionamentos da filha da empregada, independente de patrões que acabam meio demonizados. Nesse sentido, "Casa Grande" me pareceu melhor (apesar da péssima cena de churrasco discutindo cotas de modo prosiletista). A diretora de "Que horas ela volta?" atacou "Casa Grande" chamando o desfecho de "machista". O que mostra pequeno alcance de visão quando não há fla-flu de bons contra maus. Parece que ela não entendeu nada do outro filme. Pena.
    4152
  • Nery Soares
    19.09.2015 às 17:19

    Já assisti filmes melhores. Não aguentei assistir a mentade.
  • 4153
  • gustavo
    19.09.2015 às 21:10

    Po até q enfim uma crítica verdadeira,concorrer ao Oscar!!! Ta de s****agen né kkk. Filme óbvio,mais do mesmo,roteiro batido,que fotografia!!!! Parece piada kkk. Uma pergunta,quando brasileiro vai aprender q filme sem trilha sonora é filme sem alma? Parabéns ao site,q ainda não esta vendido pra globo kkkkq manipula tudo no brasil.
  • 4154
  • Conrado
    20.09.2015 às 15:19

    Parabéns pela sua crítica, Luiz. Quando assisti ao filme, imediatamente me lembrei do filme chileno "A Criada" que, exatamente como você falou, nos mostra a relação patriarcal, e ao mesmo tempo, odiosa, entre patrões e empregados a partir da forma amável como a protagonista é tratada. Quando "Que horas ela volta?" transforma Bárbara em vilã senti uma desandada que prejudicou todo o resto do roteiro. É uma pena.
    • 4155
    • Luiz Fernando Gallego
      21.09.2015 às 04:31

      Obrigado, Conrado. À medida que os dias passam mais pessoas percebem as fragilidades maniqueístas do roteiro. Neste domingo o caderno "ilustríssima" da Folha de SP colocou mais uma artigo apontando essas "facilidades" do enredo que podem seduzir as plateias num primeiro momento mas não sobrevivem a uma reflexão maior sobre o tema e sobre o filme em si.
    4172
  • selma weissmann
    13.10.2015 às 20:29

    O filme me fez lembrar novelas da Globo e como não suporto novelas da Globo...
  • 4198
  • arle
    05.11.2015 às 05:11

    Em que lugar do mundo, um filho de empregada domestica, se comporta como uma patricinha. E o caso da filha de Val que nao se da conta que esta naquela casa 'de favor'. Se eu entendi a mensagem que a diretora quer passar, e que os patroes tem que trocar de lado, e serem os servos da nova classe social ' a das filhas das empregadas'.
    • 4210
    • Luiz Fernando Gallego
      06.11.2015 às 11:09

      Acho que "arle" não entendeu a mensagem que a diretora quis passar.
    4232
  • Igor Quadros
    07.12.2015 às 17:32

    Adorei a critica! Concordo com tudo que você pontuou. Eu, não gostei do filme, na verdade achei o filme inteiro canastrão. Não consegui entender o pq de tanto estardalhaço sobre essa obra.