Da Tailândia chegam alguns filmes neste festival, entre eles a nova obra do queridinho atual da crítica européia Apichtapong Weerasethakul (Mal dos Trópicos), e este aqui, A Última Vida no Universo, que veio recomendado pela repercussão no exterior (passou numa sessão paralela do festival de Veneza-2003). Como tantos filmes recentes, A Última Vida ..., trata da construção de afetos variados por parte de um homem e uma mulher que se conhecem numa situação específica, e no qual há uma mistura de evidente tensão erótica, ainda que discreta e nada sensacionalista, com sintomas de recato e uma quase castidade.
As pessoas em questão são um bibliotecário japonês que vive em Bangcoc (feito por Asano Tadanobu, de Tabu), e uma moça local do tipo moderninha que mora um pouco afastada da cidade. Por razões que incluem uma morte involuntária e um assassinato não premeditado, ambos se encontram no mesmo teto: a casa da guria, que se vê como palco do relacionamento que será travado entre o tragicômico zé-mané candidato ao suicídio(o filme já abre com uma tentativa frustrada do cara), organizadinho e de gostos intelectualizados, e a moçoila avoada e bagunçadona, do tipo que deixa pratos na pia da cozinha e lixo na casa se acumularem em níveis alarmantes.
O cauteloso aproximar destes dois se dá com características também observadas em outros filmes recentes do cinema oriental que tratam do afeto nos dias de hoje. Há um controle absoluto da direção sobre o uso do tempo na narrativa que nunca se configura como um fim em si, mas sim como um expediente de uso milimétrico que cadencia as proposições maiores, o todo. A câmera nunca mostra um plano que está aí só para fazer firula, mesmo que ele não tenha uma função clara na evolução do narrar, mais servindo para criar um estado de ânimo. Esse controle filtra eventuais concessões ao exotismo humano, que o perfil bizarro-chique da dupla central e algumas situações criminais pelas quais eles passam podem despertar, e pelo modo como se dá evita que a relação do dois se opere num nível de distanciamento da platéia, ao contrário.
Os elementos usados nessa narrativa de forma parcimoniosa e serena, contaminam de bonomia e estranhamento o relato (em suma, muita gente pode achar A Última Vida ... chato) , não como uma espécie de tédio à parte, surgido por incompetência artística, mas aparecendo de forma acertada no cerne de tudo, na verdade daquela reunião tímida entre dois desconhecidos, e de forma funcional ao filme. O resultado para quem tiver a disponibilidade emocional, permite observar duas pessoas estranhas, num ritmo não-excitante, descobrindo uma à outra, e permite vê-las não de cima, com soberba, mas perto delas (só que também sem nenhuma condescendência), sentindo-as próximas, pela semelhança que aquilo que elas estão vivendo pode despertar em algumas pessoas, ou mesmo que sem identificação, pelo puro prazer de assistir à uma exibição de cinema daquelas que demonstra o poder dos recursos da linguagem dessa arte, quando usados com sensibilidade.
# A ÚLTIMA VIDA NO UNIVERSO (Ruang Rak Noi Nid Mahasan)
Tailândia, 2003
Direção: PAN-EK RATANARUANG
Roteiro: PRABDA YOON, PAN-EK RATANARUANG
Elenco: ASANO TADANOBU, SINITTA BOONYASAK, MATSUSHIGE YUTAKA, TAKEUCHI RIKI
Duração: 112 min.