Ao recorrer a um dos contos brasileiros mais admirados (*) - e que há cinquenta anos deu origem a um dos mais estimados clássicos de nossa cinematografia (**) - Vinicius Coimbra, egresso da TV, não deixou de ser ousado ao estrear na direção de longas para salas de cinema com A Hora e a Vez de Augusto Matraga, premiado pelo júri e pelo público no Festival do Rio de 2011, mas que, por questões burocráticas, só agora teve seu lançamento comercial.
Consta que Guimarães Rosa considerou o final do roteiro de Roberto Santos e Gianfrancesco Guarnieri para o filme de 1965 como mais interessante do que o de seu texto. A diferença consistia apenas na introdução de um personagem, um padre diferente do que existe no conto, e que, sozinho, não conseguia proteger uma família ameaçada por jagunços, o que ficava a cargo do personagem-título. Na época, as letras das canções de Geraldo Vandré (que também era co-produtor do filme) nos comentários musicais da trilha sonora davam-lhe uma conotação política ausente na obra literária - e que também não existe nesta nova versão, mais fiel (com a mesma discrição do conto) ao possível conteúdo místico da história no que diz respeito à redenção de um homem cruel que resolve que vai “entrar no céu, nem que seja a porrete”. Ainda que também se possa atribuir ao enredo de Rosa uma certa ironia quanto ao fato de um homem violento nunca deixar de ser fiel à sua natureza violenta - mesmo que por uma causa e sem a fúria odiosa e gratuita de suas atitudes no início da narrativa.
Se a obra-prima de Roberto Santos nasceu de um bem-sucedido enorme esforço face às dificuldades de se fazer cinema no Brasil de então, a opção de Vinicius Coimbra poderá até surpreender os fãs da versão anterior pelos cuidados de produção em busca de um tom épico que pode lembrar a levada de um western clássico: no prólogo, por exemplo, um tiroteio, uma perseguição vista em planos gerais alternados com outros mais próximos. Também ajudada pela fotografia de Lula Carvalho, uma das mais belas cenas noturnas do cinema brasileiro nos últimos tempos mostra Augusto tentando salvar um cavalo atolado em meio a uma enchente. E se no filme cinquentenário Leonardo Villar e Joffre Soares davam vida ao simétrico relacionamento entre Augusto e Joãozinho Bem Bem, aqui, João Miguel e José Wilker, em chave mais naturalista, recriam os personagens literários de perto.
O elenco, aliás, é um dos pontos mais fortes, tendo Chico Anysio em um raro papel não-cômico e que faz lamentarmos o fato deste ter sido uma exceção em sua longa carreira. E Irandhir Santos - mais uma vez, excepcional - confirma o clichê de que não existem pequenos papéis para grandes atores. Teca Pereira, por sua vez, é a “mãe Quitéria”.
Recorrendo à música de Tom Jobim (a “villa-lobosiana" Saudades do Brasil, e também a Matita Perê - que por sua vez, já era repleta de referências ao linguajar de Guimarães Rosa) e com trilha original de Sacha Amback, o lançamento, ainda que tardio, de A Hora e a Vez de Augusto Matraga vai confirmar as qualidades que fizeram-no tão premiado há quatro anos no Festival do Rio.
(*)- Publicado pela primeira vez em 1946, parte do livro “Sagarana”, de João Guimarães Rosa.
(**) “A Hora e a vez de Augusto Matraga”, de Roberto Santos (1928-1987), com Leonardo Villar, Joffre Soares, Mauricio do Valle.