Pablo Larraín não é um diretor que diz o que tem a dizer de modo óbvio. Foi assim que chamou a atenção com o filme Tony Manero (2008), onde um tipo sórdido e obcecado com o personagem de John Travolta em Embalos de Sábado à Noite servia para falar do Chile sob Pinochet, em parte alienado e submisso à sangrenta ditadura enquanto ocorriam prisões e perseguições nazistóides. Ele seria, em parte, mais direto no filme seguinte, Post Mortem (2010) que aborda o "11 de setembro chileno" que derrubou um presidente democraticamente eleito, Allende - mas novamente o fez a partir de um microcosmo original, ainda que um tanto oblíquo.
Essa obliquidade em busca de originalidade nos temas que pretende retratar em seus roteiros ficaria minimizada em No (2013), com outro roteirista que não Larraín e extraído de uma peça teatral de Antonio Skármeta, tendo o astro Gael Garcia Bernal no elenco. Esta realização alcançou uma parcela maior de público e prêmios internacionais ao enfocar a campanha pela resposta negativa em um referendo plebiscitário no qual a ditadura esperava que a maioria dos chilenos respondesse “sim”. A expectativa, portanto, aumentou em relação a este O Clube, cuja ótima acolhida em festivais e por parte da crítica estrangeira podem, entretanto, não jogar tão a favor do filme.
Mais uma vez há originalidade na criação do enredo que aborda temas explosivos cujo julgamento moral já traz implícita sua condenação: contra pedofilia, tráfico de crianças ou acobertamento de carrascos torturadores. Mas o desenvolvimento oblíquo do enredo volta a não permitir que o resultado final seja tão satisfatório quanto pretendido.
Tem sido mais comentada a questão do abuso sexual de crianças por parte de padres católicos, e a excelente abertura do filme propicia de fato esta ênfase: numa casa de praia localizada em uma região retirada do Chile, quatro homens maduros ou idosos convivem. Eles tomam café, rezam, fazem caminhadas, almoçam, descansam, rezam, jantam... Quando outro homem é trazido para o convívio deste aparente “retiro”(?) de padres afastados de suas funções religiosas por crimes que cometeram - acima mencionados - este quinto homem é identificado por um adulto mais jovem do que eles e que, do lado de fora da casa, grita frases sobre as práticas sexuais que sofrera nas mãos do recém-chegado. Larraín confia nas palavras: a descrição de atos sexuais pervertidos é minuciosa como em uma escrita pornográfica barata, mas aqui o que se busca é a denúncia do horror embutido no abuso, substituindo com vantagens qualquer cena que tentasse mostrar o que é dito aos quatro ventos.
O desfecho deste episódio fará com que seja introduzido na comunidade um “guia espiritual”, o padre Garcia, sobre quem logo surgem murmúrios entre os demais quanto a ter acabado com outros “clubes” como este, levando padres com crimes impunes às barras da Lei à qual devem prestar contas. E sem contar mais com a proteção cúmplice da Santa Madre Igreja, representada, sobretudo, por uma “irmã” que dirige a casa (sem ficar claro se ela pôde de fato tomar o hábito de freira nem o quanto tem algo a dever em seu passado) interpretada com requintes de ambiguidade por Antonia Zegers.
Já a ambiguidade na figura do “guia espiritual” interpretado por Marcelo Alonso nos pareceu desenvolvida de forma elíptica e oblíqua que prejudica o filme. O ator chega a parecer mal escalado com suas expressões entre o mefistofélico (predominantes) e o de anjo justiceiro que traz condutas repressivas para os demais, colocando ordem nas liberalidades da “irmã” Mônica, mas provavelmente sua chave de interpretação segue o que o diretor quis mesmo expressar, sempre pretendendo trilhar caminhos menos previsíveis - o que é ótimo quando funciona a contento. Os sub-enredos, um relativo às corridas de galgos, sendo um dos cães treinado por um dos padres ali isolados, e outro sobre o homem que gritava os horrores que sofrera no início do filme, nem sempre se articulam bem para o que Larraín, no final das contas, deseja demonstrar quanto à hipocrisia da Igreja em relação aos desvios nada evangélicos de tantos de seus ministros - e não só em relação à pedofilia, mas também à cumplicidade com crimes de tantas ditaduras, no caso, a chilena, bem como às feridas pútridas que as ditaduras deixam por décadas como sequelas.
Larraín é mais firme como diretor de imagens e conta com ótimos atores que já estiveram – a maioria - em seus filmes anteriores, destacando-se Alfredo Castro (que foi o 'Tony Manero' do filme de 2008) e a já mencionada Antonia Zegres, excepcional. Também o fotógrafo Sergio Armostrong de seus três outros filmes citados reproduz imagens que não fazem questão de serem “bonitas”, desta vez em tons predominantemente cinza-azulados opressivos que contrastam com a pintura da casa em “amarelo-sujo”. A edição de Sebastián Sepúlveda colabora para o clima tenso que o filme mantém, sendo mais ligada à opção do roteiro do que à montagem, as obliquidades que não nos parecem bem resolvidas quando o roteiro é do diretor, assinalando mais uma vez que em No o roteiro era adaptado de outra fonte e sem a assinatura de Larraín.